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| Foto: Brendan Smialowski/AFP

Um ano após a vitória surpreendente de Donald Trump, o Partido Republicano se encontra em uma situação muito estranha: é dominante politicamente, mas cada vez mais impopular, principalmente entre os mais jovens e os não brancos de todas as idades, cujos níveis de insatisfação com o atual presidente e seu governo são tóxicos.

Os republicanos têm todo o poder, mas parecem não conseguir fazer muita coisa. Há rachas internos imensos que só fazem crescer, e não diminuir. Não faz muito tempo, Steve Bannon, ainda bastante próximo de Trump, deixou bem claras suas intenções: “Estamos em plena temporada de guerra contra o establishment republicano.” Quando o ex-estrategista-chefe da Casa Branca procura seus alvos, tem em mente gente como eu. E em pelo menos uma coisa está certo: nenhum de nós dois quer ser – ou pode ser – membro do partido que o outro define.

Seria tolice negar que Bannon tem vários fatores conspirando a seu favor. Para entender isso, é preciso esquecer a decisão apertada da eleição presidencial por um minuto e voltar a mente para a disputa pela indicação republicana, que de acirrada não teve nada. A primeira coisa que os críticos mais ferozes de Bannon e Trump precisam reconhecer é aceitar totalmente que a vitória desse último nas primárias não foi uma aberração, e sim uma culminação, um tipo de apoteose. Correntes subjacentes e paixões poderosas que compõem a base do partido e vinham inchando há anos levaram a melhor quando os republicanos indicaram Trump.

Como o mundo sabe, esses sentimentos de impotência, ressentimento e indignação estão por toda parte e, enquanto candidato, ele soube manipulá-los perfeitamente. Muitos eleitores abdicaram, pelo menos por enquanto, do conservadorismo tradicional em favor do nacionalismo étnico de Trump-Bannon. E se voltaram para dentro, não para fora, adotando uma política de identidade branca como norma e desenvolvendo um profundo desdém pelo trabalho intrincado e difícil da governança.

Os republicanos têm todo o poder, mas parecem não conseguir fazer muita coisa

Mas os motivos para a ascensão de Trump calam muito mais fundo. Há um elemento niilista correndo nas veias de uma parcela significativa da direita norte-americana – e são essas as pessoas que se deliciam com os esforços do presidente em aniquilar a verdade e fomentar teorias de conspiração, sugando energia e objetividade do efeito desestabilizador que ele causa no país como um todo. Para elas, Trump é um “batalhador”, e a política precisa ganhar o reforço das armas para ser desfrutada. Encaram a política como um vale-tudo e o presidente, como o melhor lutador no ringue.

Como resultado, estão moldando seus desejos de acordo com ele, encarando o mundo através de seus olhos. Um exemplo que continua a espantar é o da Rússia. Não faz muito tempo, os republicanos eram unânimes em sua visão crítica daquele país – mas hoje, por causa dos elogios rasgados e repetidos de Trump a Vladimir Putin, a atitude republicana se tornou muito mais favorável. Uma pesquisa do Centro Pew concluiu que o número de correligionários mais fiéis que expressam confiança no líder russo dobrou em apenas dois anos (de 17% para 34%).

Com isso, os republicanos enfrentam uma questão existencial: será que Trump e a ala mais radical que o apoia conseguirão reformular o partido? Será que alguém pode impedi-los? Sem dúvida, se não encontrarem uma resistência mais enérgica do que a existente até aqui, concretizarão seu objetivo.

Leia também: A economia de Donald Trump (artigo de Paulo Figueiredo Filho, publicado em 2 de agosto de 2017)

Deixe-me explicar o que quero dizer. Alguns dos chamados republicanos “de base”, alarmados com a ascensão da ala étnico-nacionalista do partido, consolam-se com a crença de que o movimento pode ser contido, absorvido na coalizão tradicional, tendo os elementos mais radicais eliminados. De acordo com essa narrativa, o Partido Republicano irá superar a crise e ressurgir modificado, mas ainda reconhecível. Certamente haverá tensões, mas uma guerra civil será evitada.

Eu não acredito nisso. Muitos dos fãs de Trump, que se informam através do Breitbart e Alex Jones, programas de rádio tradicionalistas e a Fox News, querem revolução, e não acomodação. Conheço alguns desses indivíduos e ouço falar deles o tempo todo. Sua revolta com o atual estado de coisas é inédita e desmedida. Querem “queimar o vilarejo”, ou seja, destruir tudo. Até agora toda a energia os favorece e é risível achar que a aprovação dos cortes fiscais vai saciá-los.

É por isso que, para muitos conservadores que nunca se venderam à ideologia atual, é ainda mais decepcionante o fato de seus líderes – cujos conflitos com Trump e Bannon são profundos e irreconciliáveis – não se mostrarem dispostos a se rebelar de forma decisiva e abrangente. Nem aqueles que criticam o presidente em particular estão dispostos a ir a público oferecer suas análises mordazes do movimento a que ele pertence.

Leia também: Para onde Trump quer levar o mundo? (artigo de Jorge Mortean, publicado em 16 de junho de 2017)

Cada um tem seus motivos e alguns são mais compreensíveis que outros; mesmo assim, não consigo deixar de achar que estão subestimando seriamente a gravidade do momento. Estão propositalmente ignorando o perigo que o trumpismo e o bannonismo representam para muitos dos princípios que, segundo dizem, lhe são tão caros – e continuam se enganando, querendo acreditar que é possível uma reconciliação com aqueles que estão determinados a destruí-los.

Isso aponta para a necessidade de um caso público de defesa de uma política conservadora como alternativa para a revolucionária atual; é imperativo que os que não compactuam com os desvarios de Bannon se manifestem e ofereçam uma opção – na esfera política, sim, mas também no temperamento e na disposição. Por sorte, isso já está começando a acontecer: dias atrás, George W. Bush, de cujo governo fiz parte, e o senador John McCain, candidato à presidência em 2008, ofereceram uma alternativa filosófica ao trumpismo.

No curto prazo, pode até haver um preço a pagar pelo desafio à ala do nacionalismo étnico do partido – mas, embora seus líderes sejam formidáveis politicamente, não são invencíveis. Seu histórico de apoio a insurgentes bem-sucedidos não impressiona muito, sendo Roy Moore, do Alabama, uma rara exceção. De fato, segundo alguns relatos, Bannon agora estaria apoiando candidatos apoiados pelo mesmo establishment ao qual declarou guerra, em parte talvez para poder cantar vitórias que o façam parecer mais poderoso do que realmente é, em parte por não ter muitas opções. E, além de tudo o que se diz sobre Trump, dificilmente ele pode ser considerado um modelo para a grande maioria dos republicanos na disputa por um cargo.

Muitos dos fãs de Trump querem revolução, e não acomodação. Querem “queimar o vilarejo”, ou seja, destruir tudo

Porém, além disso, não há realmente opção a não ser desafiar os nacionalistas. Se eles triunfarem – se a ala tribalista, raivosa e antigoverno do partido se tornar vanguarda e não só um parêntese medonho e infeliz –, então o Partido Republicano vai implodir intelectual e moralmente e muitos membros longevos vão correr para a saída.

Pode acontecer. Sinceramente, muito depende do fato de Trump ser considerado um sucesso ou fracasso. No primeiro caso, sua abordagem política será imitada, tornando-se anda mais difícil de exterminar; no segundo, a ideologia será rejeitada e abrirá espaço para uma iniciativa completamente diferente.

Por enquanto, porém – e aqui corro o risco de parecer irremediavelmente fora de sintonia com os tempos atuais –, arrisco um palpite. A grande maioria dos EUA, incluindo uma boa parte dos republicanos, aguarda uma mobilização, sedenta por líderes corajosos e objetivos que, neste momento de divisão e irascibilidade, acreditem – e podem fazer com que outros também creiam – que um dos objetivos da política é curar feridas antigas, e não abrir outras, novas, além de apelar para nossos melhores instintos, e não os piores. Ou, como disse Robert Kennedy em citação que atribuiu aos antigos gregos, “dominar a selvageria humana e tornar a vida deste mundo mais gentil”.

Para muitos, Trump, Bannon e Moore representam a política da dissolução e da desumanização, do ressentimento e da inimizade, das meias verdades e antiverdades. Os republicanos que não querem ver o partido definido por essas noções têm que entender que não podem evitar a guerra. Eles têm que decidir como declará-la e como ganhá-la. Não sei se será vencível, mas certamente será enobrecedora – e isso já basta. Alguém se habilita?

Peter Wehner é membro do Centro de Ética e Políticas Públicas e fez parte dos três últimos governos republicanos.
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