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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) editou uma nova resolução (01/2018), cujo objeto visa estabelecer regras de atuação para os psicólogos nos casos de indivíduos com disforia de gênero – isto é, o sujeito que se identifica com um gênero sem correspondência com seu sexo biológico. O artigo 8.º da dita resolução dispõe ser vedado às psicólogas e aos psicólogos, “no exercício da prática profissional, propor, realizar ou colaborar, sob uma perspectiva patologizante, com eventos ou serviços privados, públicos, institucionais, comunitários ou promocionais que visem a terapias de conversão, reversão, readequação ou reorientação de identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis”.

Nesse ponto, os membros do CFP, no afã de regulamentar, acabaram por amordaçar o livre desempenho da profissão, cujo maior efeito jurídico é o de afrontar o artigo 5.º, inciso IX, da Constituição Federal, ao mesmo tempo em que amordaçaram o princípio da dignidade da pessoa humana, também com assento constitucional, pois retiraram do paciente o direito de ser ajudado a buscar a identificação de seu gênero com seu sexo biológico.

Em suma, numa tacada só, o CFP conseguiu cometer uma barbaridade legal que nem um calouro de Direito se atreveria a fazer. Mas sabemos a motivação desse dispositivo teratológico. É o credo da cartilha da ideologia de gênero, inserido discretamente por meio da ressalva “sob uma perspectiva patologizante”, cujo efeito será o de impor, pela via regulamentar, uma única solução para o psicólogo e o paciente: o transexual continuará sendo um transexual e ele não poderá nem sequer pretender mudar sua inclinação disfórica, sendo condenado existencialmente a ser algo ao arrepio de sua vontade interior.

Nessa nova resolução do CFP, psicologia e ideologia cumprem o mesmo papel: doutrinar

Esse problema criado é muito grave. Ao que parece, quem está “sob uma perspectiva patologizante” é o próprio CFP, porque o texto de sua autoria ignora por completo alguns princípios bioéticos elementares, que fazem parte do Belmont Report, publicado pela Comissão Americana para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica, com vista à tutela deontológica das relações entre o profissional e o paciente.

O princípio da autonomia demanda do profissional da saúde o respeito à vontade do paciente, considerando, em certa medida, seus valores morais e culturais. Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida e o respeito à sua intimidade. Desse princípio decorre a exigência do consentimento livre e informado.

O princípio da beneficência requer o atendimento dos interesses do paciente com vistas ao bem-estar físico e espiritual. É fruto da tradição hipocrática: o tratamento deve ser para o bem do enfermo, promovendo-o pela práxis médica, evitando o mal ou, se não for possível, minimizando seus efeitos.

Opinião da Gazeta: Liberdade para psicólogos e pacientes (editorial de 4 de fevereiro de 2018)

Leia também: “Cura gay”: homoafetividade não é destino (artigo de Guilherme de Carvalho, publicado em 25 de outubro de 2017)

O princípio da não maleficência é o reverso da medalha do anterior e proíbe acarretar dano intencional. Deriva da máxima da ética médica conhecida por primum non nocere (em primeiro lugar, não fazer mal). O princípio da justiça exige uma relação de equidade entre benefícios, riscos e encargos proporcionados pelos serviços de natureza biomédica.

Ademais, todos sabemos que a formação dos psicólogos, à semelhança dos médicos, sobre o fenômeno do transexualismo é deficiente, porque ambas as disciplinas são herdeiras da tradição cartesiana marcada pela cisão dos domínios do corpo e do espírito, sendo o primeiro relevante para o médico e o segundo, para o psicólogo. E, por haver muitos aspectos obscuros relativos à definição do fenômeno, sua etiologia e suas distintas alternativas terapêuticas, convém privilegiar ainda mais aqueles princípios bioéticos do que simplesmente ignorá-los em favor da receita pronta e acabada da ideologia de gênero.

Nessa nova resolução do CFP, psicologia e ideologia cumprem o mesmo papel: doutrinar. É o caminho para o desastre e, por isso, urge que a ciência seja colocada em seu devido lugar, pois, quando aderimos a uma ideologia, ganhamos em segurança o que perdemos em liberdade e dignidade. É hora de mandar essa resolução para uma terapia no divã, onde ela deverá ser lembrada de que não há “ideologias sagradas” em psicologia, porque a experiência humana é sempre mais vasta do que as fantasias dos ideólogos.

André Gonçalves Fernandes, pós-doutorando, é juiz de direito, professor-pesquisador e membro da ADFAS.
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