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O salário mínimo brasileiro em 2017 deve chegar a R$ 946, segundo o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviado em 15 de abril pelo governo ao Congresso Nacional. Por proposta, o salário mínimo terá aumento de 7,5% a partir de 1.º de janeiro. Em 2018, segundo a LDO o salário mínimo passará para R$ 1.002, e para R$ 1.067 em 2019.

O aumento constante do salário mínimo tem sido uma das propostas populares para reduzir a desigualdade social, ao elevar os salários mais baixos praticados no mercado. Um aumento real do salário mínimo beneficiaria alguns trabalhadores e tem o apelo de maior equidade. Se o aumento do salário mínimo reduz a desigualdade, por essa lógica é de se supor que quanto maior, melhor. Ou seja, salários mínimos maiores reduziriam a distância entre os mais ricos e os mais pobres de um país. Verdade?

Nos Estados Unidos, o salário mínimo federal aumentou pela última vez em 2009, para US$ 7,25 por hora. Desde então, 23 estados aumentaram o seu salário mínimo acima do piso federal. Cidades como Seattle, San Francisco e Los Angeles, por exemplo, estabeleceram um salário mínimo em torno de US$ 15 por hora, o dobro da média nacional. Na Inglaterra, o salário mínimo aumentou 7% – de 6,7 libras para 7,2 libras desde 1.º de abril.

Assim, a lógica popular nos sugere que quanto maior o salário mínimo, melhor para a população. A verdade, no entanto, é outra. Para aqueles que vão passar a receber esse salário, sim! Mas há muitos outros que vão sair prejudicados com isso – em geral, os mais pobres.

Explico: aqueles que continuarem trabalhando realmente vão passar a receber esse salário mais alto. Mas agora diversos empresários, empreendedores e outros empregadores muito provavelmente não terão mais condições financeiras de ter a mesma quantidade de funcionários como antes. Muitos, agora, tendo de pagar esse salário mínimo, vão acabar demitindo alguns funcionários. O resultado final é: alguns recebendo o novo valor, mas muitos outros desempregados! Uma pesquisa concluiu que, elevando-se em 30% o salário mínimo nos Estados Unidos (de US$ 7,25 para US$ 9), haveria a perda de 100 mil postos de trabalho. Aumentando-se esse valor para US$ 10,10, haveria a perda de 500 mil postos de trabalho. E são justamente os mais desqualificados, evidentemente, que estarão entre esses desempregados. A máxima “quanto maior, melhor”, portanto, não se aplica aqui.

Muitas vezes imaginamos que quem paga esse salário mínimo são apenas grandes empresários que passam as férias nas Bahamas

Estabelecer um salário mínimo, então, seria de todo ruim para a sociedade? Provavelmente não. A primeira evidência disso é que diversas cidades ao redor do mundo estão buscando uma lei para colocar em vigor um salário mínimo. Ou deve haver um motivo para isso ou temos de assumir que, dada essa onda mundial de estabelecer um salário mínimo, os policy makers não saibam o que estão fazendo. Mas, claro, embora isso seja um evidência, não é um argumento.

Um dos objetivos do salário mínimo é remover as ineficiências que podem surgir do fato de que empregadores (os demandantes de mão de obra) exercem um poder sobre seus funcionários (os ofertantes de mão de obra). Sejamos honestos: há relação de poder entre empregador e empregado, e que não podemos desconsiderar. Embora ela seja muito menor que muitos grupos dizem (reduzindo qualquer problema econômico ao simples conflito de classes), há algo de assimétrico nessa relação que o livre mercado muitas vezes não corrige por si só.

Além disso, o nível do salário mínimo também é fundamental ao afetar diferentemente o número de pessoas beneficiadas por um aumento. No caso que consideramos, aumentar o salário mínimo americano para US$ 9 afetaria positivamente 7,6 milhões de trabalhadores, enquanto aumentar para US$ 10,10 afetaria 16,5 milhões.

De acordo com o economista americano David Neumark, professor da Universidade da Califórnia, se o salário mínimo americano aumentasse para US$ 10,10 apenas 18% dos benefícios iriam para famílias de fato consideradas pobres. Aumentando-se para US$ 12, esse valor cai para 15%. Isso evidencia que “mais é menos”.

É fato, portanto, que o salário mínimo tenha o seu papel ao corrigir ineficiências no mercado. Decidir, no entanto, se elevar o salário mínimo ao longo do tempo tem sido uma ferramenta eficiente no combate à desigualdade a redução da pobreza é uma tarefa muito mais árdua. Primeiro, porque o salário mínimo alto significa a perda do trabalho para alguns. Segundo, porque muitas vezes imaginamos que quem paga esse salário mínimo são apenas grandes empresários que passam as férias nas Bahamas, e isso está longe de ser uma verdade.

De acordo com o Sebrae, o Brasil tem 10 milhões de micro e pequenas empresas que geram 17 milhões de empregos no país. Dado que o Brasil tem aproximadamente 80 milhões de pessoas economicamente ativas, 21,5% das trabalhadores estão em pequenas e microempresas. Além disso, 75% dos empreendedores têm apenas o ensino médio completo. Uma realidade muito diferente da que imaginamos. Aumentar o salário mínimo, por exemplo, onera o dono de uma padaria, mas deixa isento um funcionário público que ganhe cerca de R$ 12 mil. Terceiro, os benefícios do salário mínimo muitas vezes não vão para as famílias pobres, e muitas vezes são os mais pobres os prejudicados, o que sugere que essa política, ainda que produza algum resultado, está longe de ser eficiente, como mostra o economista David Neumark.

Como muitos benefícios vão para famílias não pobres e muitas vezes são pequenos empreendedores (ou seja, população não rica) que pagam esses custos, então o salário mínimo tem sido um instrumento ineficiente de política de redistribuição. Há, portanto, pouca evidência de que os salários mínimos mais elevados, sozinhos, possam reduzir a pobreza ou a dependência de programas do governo.

Uma alternativa seria o crédito fiscal. Introduzido nos Estados Unidos em 1975, o Earned Income Tax Credit (EITC) é um crédito em impostos oferecido para famílias mais pobres e tem sido uma alternativa no combate à desigualdade social. Dependendo da renda do trabalhador e da quantidade de filhos, o crédito fiscal é um incentivo que permite que alguns contribuintes subtraiam o valor do crédito do total de impostos devidos ao Estado. De maneira mais detalhada, os trabalhadores nos Estados Unidos podem obter até 40% de sua renda como subsídios em impostos.

O EITC tem se provado mais eficaz na redução da pobreza que o salário mínimo, por algumas razões: primeiro, porque o EITC é baseado na renda e na estrutura familiar, ou seja: ele efetivamente mira famílias de baixa renda com necessidades mais elevadas, diferentemente do salário mínimo, que pode gerar benefícios para famílias não pobres. Em segundo lugar, como o EITC subsidia os ganhos do mercado de trabalho, induz os mais afetados, que tendem a ser mães solteiras, a entrar no mercado de trabalho, daí o aumento do emprego, em contraste com o salário mínimo. Em terceiro lugar, já que o EITC é financiado pelos impostos, essa redistribuição pode ser financiada por aqueles com maiores rendimentos, em vez de ser paga por aqueles que empregam trabalhadores de salário mínimo, que não necessariamente são os de rendimentos mais elevados. Ou seja, o funcionário público com rendimento de R$ 12 mil, e não apenas o pequeno empreendedor, estaria subsidiando essa política.

Não é difícil ver, portanto, que a política do salário mínimo tende a se concentrar em baixos salários dos trabalhadores e não de famílias de baixa renda. Dessa forma, alguns dos benefícios estão suscetíveis a fluir de famílias pobres para famílias de alta renda. O crédito fiscal, por outro lado, aumenta o emprego e reduz a pobreza ao atingir as famílias mais pobres. Por todas estas razões, ele parece ser muito mais eficaz.

Aqueles que estão doentes, quando tomam um comprimido, não concluem “se eu tomar um comprimido estarei melhor; se eu tomar dois, estarei melhor ainda”. No caso do salário mínimo, vale a mesma certeza: mais também não significa melhor. Assim, se quiserem fazer um trabalho mais eficiente no combate à pobreza, em vez de colocar os aumentos sucessivos do salário mínimo como prioridade, os policy makers deveriam tornar o EITC mais generoso. Melhor que isso, como sugere Neumark, a combinação dos dois é a arma mais poderosa de todas.

Eu comecei, como todo jovem, acreditando que fixar uma salário mínimo alto através de decretos fosse a solução para a nossa igualdade social. Depois, ao estudar como a economia funciona, vi que o salário mínimo era ruim para a sociedade. Agora, me deparando com dados empíricos, já que economia não se faz somente com teorias, fico entre um e outro, assim como geralmente é a verdade – nem um extremo nem outro, mas uma combinação deles.

Leonardo de Siqueira Lima, economista pela Fundação Getúlio Vargas e mestrando em Economia pela Barcelona Graduate School of Econonomics, é fundador do site Terraço Econômico .
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