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Cerveja e futebol, paixões nacionais

A Copa do Mundo chega ao fim. O Brasil não foi hexa, mas ganhou muito com a Copa. Um dos principais aprendizados é a certeza de que cerveja nos estádios não gera violência.

Leia opinião completa de Pedro Trengrouse, professor de Direito Desportivo da FGV

Parece redundante falar o óbvio, ou seja, que cerveja também é álcool. Contudo, por mais contraditório que pareça, a Lei 9.294/96, que estabelece restrições à publicidade de tabaco e de bebidas alcoólicas, previu que, para os fins daquela lei, somente seriam consideradas bebidas alcoólicas aquelas com teor etílico superior a 13 graus Gay-Lussac. Portanto, para fins de publicidade, cerveja não é bebida alcoólica e, em decorrência, permitiu-se a publicidade de cervejas vinculada ao futebol. A lei resultou em significativa mudança na publicidade de cigarros, antes associados à aventura, esportes e sucesso, fixando na mente dos consumidores a mensagem subliminar que os incentivava ao hábito de fumar. A intensa publicidade da indústria cervejeira associada a artistas famosos e a desportistas tem o mesmo efeito subliminar, apesar de o consumo de bebidas alcoólicas ser incompatível com a prática de esportes.

Por outro lado, o Decreto 6.117/2007, que instituiu a Política Nacional sobre o Álcool e pretendia reduzir o uso indevido do álcool, definiu bebidas alcoólicas como aquelas com concentração igual ou superior a 0,5 grau Gay-Lussac, o que abarca a cerveja. Já a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas no interior dos estádios de futebol decorreu da constatação de que tal providência era determinante para a diminuição da violência nos estádios. Infelizmente, a Lei Geral da Copa previu a suspensão do dispositivo do Estatuto do Torcedor que fundamenta tal proibição, por imposição de um patrocinador oriundo da indústria cervejeira, e as bebidas alcoólicas foram liberadas por ocasião da Copa das Confederações e da Copa do Mundo.

Como consequência, surgiu uma grande pressão para a liberação da venda de bebidas alcoólicas também nos campeonatos nacionais após a Copa, o que representará um retrocesso decorrente da influência do poder econômico da indústria cervejeira.

Recentemente, a Fifa admitiu que poderia proibir a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios em partidas com alto risco de periculosidade. Portanto, não é desarrazoado o entendimento de que a violência, frequente nos campeonatos de futebol no Brasil em decorrência dos ânimos exaltados das torcidas organizadas, pode ser diminuída com a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas no interior dos estádios.

Dessa forma, não há dúvidas de que devemos fazer valer integralmente o Estatuto do Torcedor e os Termos de Ajustamento de Conduta celebrados pelo Ministério Público com a Confederação Brasileira de Futebol e federações estaduais, o que resultou na diminuição das estatísticas de violência nos estádios.

O direito à segurança nos locais da prática de eventos desportivos encontra-se assegurado no artigo 13 da Lei 10.671/03 (Estatuto do Torcedor) e é inegável que o consumo de bebidas alcoólicas favorece a prática de comportamentos inconvenientes que acabam configurando infrações penais. Assim, a sociedade brasileira deve mobilizar-se para a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas no interior dos estádios, bem como contra a publicidade de bebidas alcoólicas associadas a artistas famosos e desportistas, por consubstanciar-se em propaganda subliminar enganosa que incentiva o consumo indevido de bebidas alcoólicas.

Cristina Corso Ruaro, promotora de Justiça, é coordenadora do Projeto Semear – Enfrentamento ao Álcool Crack e Outras Drogas do Ministério Público do Estado do Paraná.

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