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| Foto: Julie Elliott-Abshire/Free Images

Nossas vidas têm sido acometidas diariamente por alertas em relação à questão ambiental. Chamados a salvar as baleias de Abrolhos, combater a poluição do Aquífero Guarani, atenuar as emissões de gases de efeito estufa ou simplesmente reciclar o lixo, temos protagonizado um mundo civil de comportamentos e atitudes “esverdeadas”. A sustentabilidade da vida humana, entretanto, não deriva apenas de uma melhor harmonia com o ambiente natural, mas de um relacionamento interno consigo e com a sociedade, no que se inserem aspectos sociais, culturais, políticos e éticos. E é aí que o verde geralmente desbota: estamos imersos em uma cultura de posses, sovados por discursos que resumem vidas inteiras à busca de “sucesso econômico”. Absurdamente, temos apresentado tais projetos de vida e felicidade às crianças, incitando relações sociais excludentes e predatórias que nenhuma educação ambiental é depois capaz de romper.

Um exemplo desse modelo de sociedade encontra lugar na profusão de condomínios fechados nas grandes cidades brasileiras, empreendimentos que vendem uma cativante possibilidade de retorno à caverna, preservando nossa vida do mundo “animalesco” que fica do lado de fora dos muros. Mas o desejo de estar a salvo da barbárie traz também o risco de dissolver as possibilidades de que nossos meninos e meninas vivam em comunidades diversas e até mesmo desiguais, onde cooperação, solidariedade, fraternidade e respeito tornam-se exigências ao convívio. Diferentemente do que costumam sugerir mídia e escola, o conceito de sustentabilidade não deveria estar centrado em bens, recursos naturais ou atividades produtivas, mas sim no bem viver das pessoas, pois é da reunião de gente, de anseios, desejos e interesses coletivos que nascem as genuínas necessidades humanas.

Cada vez menos famílias encontram-se reunidas para as refeições

Hoje, quando mais temos condições de ofertar bens e oportunidades de vivências aos nossos filhos, vivemos também o momento histórico em que mais eles carecem de nossa presença e afeto. Estima-se, por exemplo, que, entre a população economicamente ativa, pelo menos metade dos adultos não consiga passar mais que quatro horas por semana junto da família (sem discutir a qualidade desse tempo), lacuna quase sempre preenchida por outros bens materiais. Emblemático também é o hábito das refeições: cada vez menos famílias encontram-se reunidas para esse momento e, quando o fazem, dedicam um tempo diminuto à vivência. A urgência de outras atividades “mais importantes” dissipa as relações interpessoais, legitimando que as cozinhas tenham deixado de figurar entre os principais espaços das residências, tornando-se cada vez menores e menos convidativas à reunião das pessoas.

Leia também:Família, aposta decisiva (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 5 de janeiro de 2015)

Leia também:Papai, você pode me vender uma hora de seu tempo? (artigo de Jacir Venturi, publicado em 21 de janeiro de 2017)

Se outro mundo – mais justo, prudente, solidário e fraterno que esse – é possível, dependerá também de que tais valores e sentimentos sejam cultivados no ambiente e na vida familiar. Crianças e jovens que conhecem a identidade histórica e a herança cultural de seus avós, que discutem possibilidades de consumo no orçamento familiar e que compartilham os cuidados com os bens e espaços coletivos da casa se sentem mais protegidos e seguros, enquanto tendem a ser menos egoístas e imediatistas. Se os desejamos dotados de personalidades sólidas, capazes de pensar e viver de forma autônoma, continuarão fazendo falta momentos de partilha da vida, onde escutam, descobrem e fazem junto conosco o mundo que querem para si.

Não basta, então, que sustentemos nossas famílias, senão que as tornemos sustentáveis em toda a sua existência e significado social.

Marcelo Valério, mestre em Educação Científica e Tecnológica e doutorando em Educação para a Ciência, é professor de cursos de Licenciatura do câmpus Jandaia do Sul da Universidade Federal do Paraná.
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