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Quem já não sentou à beira da praia ou até na frente da televisão para contemplar a imensidão do mar e toda a diversidade que o ecossistema marinho nos traz? Essa beleza e encantamento, contudo, enganam. Ao longo das últimas décadas, os oceanos foram transformados em um dos ecossistemas mais degradados e ameaçados do planeta.

Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) mostram que 61% das espécies de peixes comercialmente exploradas no planeta foram pescadas nos seus limites máximos de manutenção populacional. Os recifes de coral estão sob alto risco de desaparecer até 2050 e, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), diversas espécies de tubarão estão entrando em extinção. Somando-se a isso, há a contaminação da água, as invasões por espécies exóticas e a supressão de habitats.

No Brasil, o cenário não é diferente. Conforme o Ministério da Pesca e Aquicultura, a produção pela pesca extrativa marinha vem caindo desde 1980, quando atingiu 750 mil toneladas e caiu para 550 mil toneladas anuais, nos anos subsequentes, por conta da pesca mal gerenciada e ilegal.

Os ecossistemas marinhos proporcionam serviços ambientais essenciais à sobrevivência humana

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) listou 19 espécies de peixes marinhos ameaçados de extinção. As cinco espécies de tartarugas marinhas encontradas no Brasil permanecem na lista de animais em risco de extinção, apesar dos esforços de vários projetos de conservação. Além disso, mais de 25% de nossos manguezais, importantes para o ciclo de vida de várias espécies de valor comercial e, obviamente, ecológico, já foram destruídos ao longo de nossa costa. Nos manguezais vivem mais de 750 espécies, incluindo 226 espécies de peixes, 131 de crustáceos e 52 de moluscos.

Por que se preocupar com isso? A resposta é simples: os ecossistemas marinhos proporcionam serviços ambientais essenciais à sobrevivência humana como alimentos, medicamentos e lazer; e, no atual cenário de mudanças climáticas, são fortes aliados na manutenção do clima, no controle de inundações e proteção costeira. Também há vantagens econômicas, pois a atividade pesqueira, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura, envolve cerca de 1 milhão de pescadores profissionais e mais de 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos. A pesca artesanal é responsável por 50% da produção de pescado nacional e importante fonte de renda e de segurança alimentar para comunidades litorâneas.

Diante dos imensos benefícios ambientais, sociais e econômicos do mar para os brasileiros, e dos altos riscos desse ecossistema no país, precisamos de maior e melhor tutela do Estado, uma vez que é sua obrigação constitucional garantir a gestão adequada e a repartição justa dos benefícios decorrentes da exploração desses recursos. Isso inclui o estabelecimento de unidades de conservação, para garantir a proteção dessa rica biodiversidade e dos serviços ambientais prestados pelos ecossistemas marinhos.

Como esse cenário é amplamente conhecido por pesquisadores e gestores públicos, fui pego de surpresa pelas inexplicáveis rejeições da bancada ruralista ao projeto que cria a Política Nacional para Preservação e Uso Sustentável do Mar Territorial Brasileiro – a Lei do Mar – e à Portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente, para a gestão de espécies vulneráveis. Ambas as normativas buscam planejar e ordenar o uso sustentável dos recursos marinhos, aumentando a eficiência e a sustentabilidade dos setores produtivos e a manutenção da biodiversidade.

Será que falta aos senhores deputados conhecimento sobre o tema? Uma espécie de analfabetismo ambiental e estratégico? Será falta de compromisso com nossa Constituição Federal? Ou simplesmente é o clientelismo com grupos econômicos fadados a se extinguirem junto com as espécies e ambientes que exploram?

É possível mudar esse cenário. Por meio de manifestos coletivos e pessoais aos parlamentares, a mobilização pública pode gerar comoção para apoio ao ordenamento responsável de nosso mar. É nosso papel. É da nossa conta.

Ariel Scheffer da Silva, doutor em Zoologia, é diretor de Empreendedorismo Inovador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
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