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| Foto: Weimer Carvalho/AFP

Há muito me ocupo do que seria uma tipologia da esquerda contemporânea. Calma! Um dia chegarei à tipologia da direita, aguardo apenas um pouco porque essa, pelo menos entre nós, brasileiros, apenas começa a se acomodar em clichês suficientes para formar uma tipologia minimamente científica. A esquerda, velha como é, já tem seus clichês comportamentais.

Primeiro, a clássica, que deixaria a esquerda pós-moderninha, criada nos campi das universidades, em pânico. Essa esquerda confessa suas taras: que morram todos os reacionários. Corrupção é uma ferramenta válida, desde que usada para o partido e a revolução. Multiculturalismo, e sua mania de parques temáticos étnicos, é coisa de gente riquinha besta, com medo de sangue. Essa é a esquerda que, de fato, teme dizer seu nome. Quase extinta porque sonhou em destruir o capitalismo. E ninguém tem nada para botar no lugar do capitalismo sem pôr em risco seu próprio capital.

Existe também a esquerda sindicalista. Essa, se retirada a metafísica social de redenção do “mundo do trabalho”, é quase sempre formada de gente que adora a contribuição sindical obrigatória, nunca trabalhou de fato, e enche as ruas com infelizes que ganham um lanche para fazer número. É bastante agressiva quando colocam em risco a sua renda paga pelos cofres públicos.

A esquerda dos “sem” e das vítimas está sempre cobrando algo da chamada “sociedade” – esse conceito vago, mas de grande utilidade retórica

A esquerda dos “sem” e das vítimas está sempre cobrando algo da chamada “sociedade” – esse conceito vago, mas de grande utilidade retórica. Essa esquerda se alimenta do velho ressentimento humano, produzido em larga escala pelo capitalismo e seu método de produção de riqueza pela competição selvagem.

Há também a esquerda descendente dos hippies. Gente que quer mudar o mundo com a horta da varanda de sua casa e ainda acha o uso de drogas algo “questionador do sistema”. Tem pouco dinheiro e se dedica a “arte e política”.

Claro, a esquerda dos campi universitários é essencial. Composta de gente da classe média ou média-alta, professores e alunos (os funcionários são, na sua maioria, ligados à esquerda sindical porque são mais pobres e nunca vão a congressos que discutem a desigualdade social), se constitui naquela que impacta a cultura e a opinião pública. Gosta de tramar contra a desigualdade social comendo queijo e tomando vinho, quando não organizando festivais literários, de cinema ou teatro. Quando “prega”, quase ninguém entende porque mistura jargão psicanalítico com um marxismo banhado numa jacuzzi cheia de óleos naturais para a pele e geleia sugarless.

Não esqueçamos da esquerda de Hollywood e seus prêmios pautados por “race, class and gender”, faturando milhões com super-heróis Marvel. Essa adora chorar em público.

A esquerda “sexual” é obcecada por suas idiossincrasias individuais que tentam transformar em pautas pedagógicas para crianças recém-saídas do berço. Ligadas a essa, está toda a gama de pautas de gênero genéricas.

Há a esquerda dos “recursos humanos” e das palestras corporativas sobre capitalismo consciente. A mais aguada de todas, quase um marketing vagabundo. Usa expressões como “gestão do futuro” e “humanismo empresarial”. Não gaste dinheiro com ela.

Também existe a esquerda da moçada que mora perto de onde trabalha e, por isso, confunde seu bairro com uma Amsterdã universal. Pode chegar suada no trabalho porque é dona do próprio negócio. São os “hackers urbanos”, tem vocação para experimentalismo urbano e sonha com o Haddad como presidente dos EUA.

A multiculturalista só sobrevive quando tem muito investimento para deixar todas as culturas ali expostas num estado que agrade todo mundo que as visita.

Claro que não podemos esquecer da esquerda artística em geral, que delira com o politicamente correto e tem de si uma tal imagem de santidade política que deixaria Jesus envergonhado. Bienais de todos os tipos são seu templo.

E a “esquerda de mercado”? É a que sabe que para se vencer no mercado cultural deve-se gritar “Fora Temer!”. E, para não dizer que não falei de religião, existe a esquerda católica, essa mesma que domina o mercado da teologia. Amém.

Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.
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