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Felipe Lima

No dia 23 de janeiro, será realizada audiência pública em Pontal do Paraná para discutir a instalação da Faixa de Infraestrutura, que inclui, nesta fase, obras no canal de drenagem e a construção de uma nova estrada no interior do continente, ao custo total de R$ 369 milhões. O objetivo seria acabar com os congestionamentos da temporada, suposta redenção para os veranistas e moradores de Pontal.

Mas, em tempos de crise, de onde vem tanta disponibilidade política e orçamentária para atender à demanda dos veranistas? Seriam eles e os moradores tão influentes a ponto de garantir milhões de reais para uma solução definitiva do estrangulamento da estrada?

Quando a esmola é demais, o santo desconfia. A “música” tocada para vender a proposta da nova estrada está omitindo uma mudança radical do perfil da região. O que realmente está em jogo é o início de um processo para tornar Pontal um movimentado porto, atrelado a indústrias poluidoras associadas à exploração de petróleo.

Estamos sendo enganados pela ambição isolada de grupos econômicos

Isso significa que a nova estrada receberá intenso e permanente tráfego de caminhões para atender a um complexo industrial-portuário fonte de poluição química, desmatamento e degradação ambiental e social a partir da precarização da ocupação urbana, violência e prostituição. Pontal tem menos de 20 mil habitantes; estima-se que aportarão outros 60 mil apenas em função do falso atrativo de novos empregos vinculados às indústrias e ao porto, e que serão empregados na construção da Faixa de Infraestrutura 500 trabalhadores por um período máximo de 24 meses. Depois da construção, qual o destino desses trabalhadores?

Usar uma antiga demanda local para viabilizar a construção da Faixa de Infraestrutura é uma postura que amarga a fútil sensação de que a comunidade local e os veranistas aceitaram o cavalo de Troia. A instalação da nova estrada contribuirá para a piora da qualidade do ar e da água, aumento do ruído, contaminação do solo, alteração da paisagem, atropelamento de pessoas e animais silvestres, aumento dos problemas para o tráfego local, diminuição da qualidade de vida do pescador, entre outros impactos negativos. E, mesmo assim, o problema dos congestionamentos de verão poderá não ser resolvido, já que a nova estrada estará prestando seus serviços ao pesado fluxo dos caminhões que atenderão as indústrias.

Desse modo, estamos sendo enganados pela ambição isolada de grupos econômicos que se arvoram em direcionar, a seu gosto, ações de um governo sem interesse pelo bem comum. Em Pontal, pouco mais de 15% dos domicílios têm acesso à rede de esgotamento sanitário; por que o governo não aporta esse recurso na universalização do saneamento básico? Esta não seria uma demanda mais urgente?

O que está oculto é que a estrada viabiliza um porto e indústrias petrolíferas. E, sem todos esses itens, o investimento da estrada não é factível nem interessante. É fundamental que haja uma profunda ponderação da sociedade sobre o que realmente está em jogo com a apressada audiência pública. Mas pode soar razoável uma movimentação em torno de uma duplicação simples da estrada já existente, sem gastos estratosféricos e sem o comprometimento de paisagens como a Ilha do Mel, do mangue e da restinga que margeiam as praias de Pontal do Paraná e da própria qualidade de vida da comunidade local. Vamos mesmo deixar isso acontecer?

Dailey Fischer, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, é coordenadora executiva do Observatório de Conservação Costeira do Paraná (OC2). Junior Ruiz Garcia, doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pela Unicamp, é professor do Departamento de Economia da UFPR.
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