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O artigo 201 da Constituição Federal diz que o Regime Geral de Previdência Social tem de ter equilíbrio financeiro e atuarial. Traduzindo, o aposentado não pode receber de aposentadoria mais do que recolheu de contribuições.

Em 1999, após três anos de desequilíbrios crescentes, e com a não aprovação da idade mínima para a aposentadoria na Emenda Constitucional n.º 20 de 1998, o Ministério da Previdência Social buscou formas de estabelecer essa correlação entre contribuições e aposentadorias pagas. Assim, foi criado o fator previdenciário, que correlaciona a poupança previdenciária com o usufruto dessa poupança, considerando o tempo e a alíquota de contribuição, a idade e a expectativa de sobrevida do segurado, introduzindo variáveis atuariais no cálculo do benefício.

Tal fórmula ensejou uma “capitalização escritural”. Isso significa que, embora o INSS não forme poupança previdenciária, pois usa as contribuições mensais para pagar os benefícios mensais, seriam consideradas todas as contribuições do segurado como se fossem sendo virtualmente capitalizadas.

As contribuições adicionais não podem ser apropriadas pela Previdência Social

O STF entre o legal e o justo

Em matéria previdenciária, no caso da desaposentação, há tensão entre os objetivos fundamentais de solidariedade social, de um lado, e da contrapartida e da justiça social de outro

Leia o artigo de Noa Piatã Bassfeld Gnata, professor substituto na Faculdade de Direito da UnB

Mas, com o fator, quem para cedo, ao redor dos 50 anos, tem renda mensal menor, pois vai viver aposentado muito mais tempo do que quem se aposenta aos 60. Por isso, entre os aposentados brasileiros é mais comum encontrar gente trabalhando que descansando – ou seja, desaposentados. Como quem trabalha com carteira assinada ou tem uma empresa é obrigado a recolher compulsoriamente para o INSS, o aposentado trabalhador não tem saída: tem de contribuir.

Ora, se ele contribui mais, forma uma poupança previdenciária adicional. Por isso, desde a criação do fator previdenciário defendo a tese da desaposentadoria: renunciar à aposentadoria anterior, de menor valor, para pleitear uma nova, mais tarde, de maior valor, incorporando os anos adicionais de contribuição previdenciária e usando a própria fórmula do fator previdenciário. Essas contribuições adicionais não podem ser apropriadas pela Previdência Social. Seria um confisco que só serve para ajudar a tapar o furo do INSS.

Os dois ministros que relataram ações pleiteando a desaposentadoria no STF (Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso) votaram a favor da concessão, e outros dois os seguiram. Perceberam a importância do respeito à técnica, à legislação e ao esforço contributivo individual num programa social de longo prazo. Entretanto, sete ministros votaram contra a desaposentadoria, não com base em critérios técnicos ou legais, mas com argumentos de que a economia não suportaria essa conta, que isso contraria a intenção do fator previdenciário de o trabalhador postergar a inatividade, e que a Previdência Social deve ser solidária.

Quanto ao primeiro argumento, os ministros deveriam se ater aos aspectos legais e aos direitos e ao esforço contributivo dos trabalhadores. Além disso, o impacto da desaposentadoria é financeiramente pequeno, pois são em número menor os aposentados por tempo de contribuição e poucos os que continuam na labuta após os 65 anos, por exemplo. Quanto ao fator previdenciário, os ministros realmente não o conhecem, pois, aposentando-se cedo ou tarde, a conta resulta em zero, já que o aposentado recebe rigorosamente o que contribuiu. A negação da desaposentadoria é que seria jogar o fator previdenciário no lixo.

Quanto ao último argumento, de que a Previdência Social é solidária, eles têm razão, embora em sentido contrário do que imaginam, pois todos serão solidários na miséria na velhice, que é para onde nos levam decisões equivocadas como a tomada pelo STF.

Renato Follador é consultor em previdência social, pública e privada.
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