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Felipe Lima

O modelo das megalivrarias está falido ou em vias de acabar? Notícias esparsas têm indicado que as grandes redes nacionais enfrentam diversos problemas: em resumo, no fim do mês, as contas não fecham.

Ao mesmo tempo, a Amazon não para de crescer e diversificar seus negócios: na ofensiva há anos, quando se trata de vendas on-line, a empresa começou testes para lojas de conveniência nos EUA, mas segue modelo atraente, de alta tecnologia, que dispensa os caixas – o que significa ausência de filas, menos tempo perdido para os clientes. A Amazon também aposta agora nas livrarias físicas, com wi-fi de altíssima velocidade e livros organizados segundo uma lógica simpática: as capas são voltadas para o cliente, que não é obrigado ao desconforto de se inclinar e ficar virando o pescoço para este ou aquele lado. Sob cada livro, um cartão oferece brevíssima resenha e a posição que o título ocupa no ranking da Amazon.com.

Quando leio tais notícias, lembro-me de minha adolescência, entre as décadas de 1960 e 70, que passei frequentando livrarias de pequeno ou médio porte em São Paulo – como a velha Mestre Jou, ou a Teixeira, na Rua Marconi, ou a antiga Brasiliense, na Barão de Itapetininga, ou a Duas Cidades, sem esquecer a pequeníssima Belas Artes, na Avenida Paulista. Quem não viveu aquele tempo não entenderá minha afirmação: hoje não existem mais livrarias.

O Brasil precisa aprender muitas coisas – mas seria ótimo se reaprendesse o que é uma simples e boa livraria

Enquanto professor de escrita criativa, crítico literário e autor de três livros, estou na outra ponta do sistema: sou um produtor de conteúdo, não um comerciante. Mas minha formação teria sido imperfeita sem os livreiros que me atenderam bem, que me indicaram as melhores edições, mostraram-me erros de tradução, chamaram minha atenção para uma brochura esquecida e empoeirada que tratava exatamente do meu tema predileto.

O Brasil precisa aprender muitas coisas – mas seria ótimo se reaprendesse o que é uma simples e boa livraria. Apesar do espaço exíguo, se comparado às lojas de hoje, a diversidade de títulos impressionava. Aqueles livreiros desconheciam a palavra preconceito, não estavam à esquerda ou à direita do espectro político – e, se estavam, isso era apenas uma escolha pessoal, jamais interferiria no relacionamento com os clientes ou nas escolhas para compor o acervo da loja. Não eram apenas comerciantes, mas cenobitas dedicados ao amor pelo conhecimento.

Fadadas ao insucesso ou não, as grandes redes de hoje romperam com a possibilidade dessas experiências – exatamente o que a Amazon parece querer recuperar: no mínimo, a sensação de aconchego, a possibilidade de, por alguns minutos, alhear-se da loucura e do movimento incessante dos centros urbanos, folheando livros e conhecendo novos autores numa atmosfera de intimidade e silêncio.

À parte qualquer saudosismo, a crise das megalivrarias revela também aspectos da nossa economia e da nossa cultura: existe algo estranho num país de 200 milhões de habitantes em que a primeira edição de um livro é de apenas 2 mil exemplares. Poucos percebem o que se esconde sob tal número, mas o comércio livreiro jamais se firmará enquanto não tivermos leitores – ou enquanto o principal comprador de livros for o governo. Nada pode dar certo se permanecemos submetidos a regras que jamais apostam no que o capitalismo tem de melhor: liberdade para inovar e diversificar negócios. O sucesso da Amazon escancara nossa realidade: somos uma vasta propriedade rural – ou melhor, um lento carro de boi cruzando desgastada, empobrecida monocultura.

Rodrigo Gurgel, professor de escrita criativa e de literatura, é crítico literário do Jornal Rascunho e da Folha de S.Paulo e autor de Crítica, literatura e narratofobia.
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