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Felipe Lima

O atual modelo de distribuição de tributos no Brasil está fadado ao colapso. Cada vez mais, novas responsabilidades são transferidas aos municípios sem que haja qualquer repactuação de financiamento. Ou se avança com a revisão do pacto federativo ou, no atual ritmo de crescimento da demanda por serviços públicos, em pouco tempo mesmo municípios considerados “ricos” estarão à beira da falência.

Há pouco mais de 30 anos, a administração tinha três atribuições básicas: zoneamento, sistema viário e transporte. Ao longo destas décadas, a prefeitura foi incorporando obrigações. Hoje, também é responsável pelo meio ambiente, segurança, área social, proteção animal, economia, recursos humanos, direitos humanos, questão fiscal, saúde e educação.

As fontes de receita, porém, não se alteraram. Basicamente, os cofres municipais continuam sendo abastecidos pelo Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), pelo Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e pelo Imposto Sobre Serviços (ISS). Constitucionalmente, gestores municipais não têm autonomia para criar novos tributos. Portanto, ficam reféns das chamadas transferências voluntárias do estado e da União; estas não seguem uma simetria e, por vezes, estão atreladas a questões político-partidárias. Desta forma, um determinado município não recebe necessariamente de volta o montante que ajudou o estado ou a União a arrecadar. As cidades são, sem dúvida, o ente mais frágil da Federação.

Acabamos construindo no Brasil um sistema insustentável no longo prazo

Em nossa cidade temos um exemplo clássico gerado por este desequilíbrio. Há quatro anos, o custo de manutenção mensal de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) girava em torno de R$ 700 mil. O governo federal repassava R$ 300 mil e a cidade entrava com R$ 400 mil. Hoje, uma UPA custa cerca de R$ 1,75 milhão. O governo federal continua repassando R$ 300 mil e a prefeitura banca, sozinha, quase R$ 1,5 milhão. Curitiba conta hoje com oito UPAs. Ou seja, só aí são R$ 15 milhões todos os meses para manter estas estruturas, sendo que para duas delas o governo federal não repassa nada. E isso considerando que a rede pública de saúde de Curitiba atende atualmente usuários de 999 municípios.

Para piorar, com a crise econômica e de governos, a demanda por serviços públicos tem crescido, aumentando a pressão sobre os municípios. Pela primeira vez, em 2015 a capital do Paraná investiu mais que o governo federal no Sistema Único de Saúde (SUS) da cidade. Ainda usando um exemplo da área da saúde, somente nos últimos 12 meses os planos de saúde perderam mais de 1,3 milhão de usuários em todo o país. Certamente, todo este contingente migrou para a rede pública.

Acabamos construindo no Brasil um sistema insustentável no longo prazo, apesar da altíssima carga tributária. Nenhuma outra cidade em outros continentes tem estrutura semelhante, principalmente nas áreas da saúde e educação, custeadas prioritariamente pelos municípios.

Como rever isso sem desassistir milhões de brasileiros e imigrantes? Terão a Presidência da República e o Congresso Nacional, em algum tempo, coragem para promover esse ajuste?

Insisto: ou avançamos com essa reestruturação ou o país vai continuar perdendo agentes públicos dispostos a trabalhar sob esta pressão e sem mecanismos para suprir a demanda. O desafio é equilibrar uma balança que tem, de um lado, o aumento da demanda por serviços públicos e, de outro, a pressão dos órgãos de controle e da sociedade para que as cidades atendam os direitos fundamentais e sociais, mesmo sem orçamento e devendo respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Gustavo Fruet é prefeito de Curitiba.
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