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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Na última quarta-feira, o físico Stephen Hawking morreu com a idade de 76 anos – e 56 anos de vida após o diagnóstico de sua doença. Em 1962, pouco depois de iniciar seu doutorado na Universidade de Cambridge, Hawking foi diagnosticado com esclerose amiotrófica lateral, uma doença degenerativa que aos poucos o deixaria paralisado. Sua capacidade de pensar, no entanto, permaneceu intacta, e ele a utilizou vigorosamente até o dia de sua morte.

Mas como ele se tornou o que poderíamos chamar de físico pop star? É comum que de tempos em tempos apareça um cientista capaz de capturar o imaginário popular, como o fizeram Newton, Einstein e Tesla. Mas desconheço outro cientista que frequentemente tenha aparecido em programas como Os Simpsons, no seriado The Big Bang Theory ou até mesmo em um famoso episódio da série Star Trek, jogando pôquer com outros ilustres.

Há alguns anos, tive a oportunidade de verificar o apelo popular do grande físico em uma conferência de astrofísica na cidade de Roma. Dezenas de cientistas, estudantes de pós-graduação e de pós-doutorado, de todas as partes do mundo, apresentariam ali seus trabalhos e passariam a conferência discutindo ciência e fazendo contatos. Mas naquele dia, eu e alguns outros participantes notamos a presença de crianças e adolescentes, obviamente estudantes do ensino médio e fundamental italiano. Era uma visão incomum em um evento científico recheado de linguagem técnica e equações intimidadoras. Mas era fácil descobrir o que havia atraído toda aquela audiência. Stephen Hawking havia sido anunciado como o primeiro preletor daquele dia.

Todo o trabalho de Hawking será discutido ainda por muitos anos e por muitos físicos e cientistas

Infelizmente, seu estado de saúde era delicado e ele não foi capaz de estar presente no evento. Mesmo assim, por iniciativa própria, ele falou por meio de videoconferência. E foi assim que todas aquelas pessoas permaneceram imóveis e mesmerizadas por aproximadamente 40 minutos, enquanto acompanhavam a projeção de um homem fisicamente debilitado que falava por meio de um sintetizador de voz. Constatei, então, esta outra face de Hawking: a do cientista apaixonado por comunicar ciência ao grande público. Foi interessante notar que, apesar das óbvias limitações, sua apresentação foi a única destinada ao público leigo naquele dia. A fama do homem não era sem motivo.

Repassando sua própria história, ele falou daqueles objetos cósmicos que seriam tema constante em seus trabalhos: os buracos negros. Grosso modo, um buraco negro é o que sobra quando uma estrela muito pesada chega ao fim da vida. A queima nuclear no centro da estrela é o que gera calor e brilho. O Sol, a estrela mais próxima de nós, e da qual dependemos, é um exemplo desse processo capaz de gerar calor e luz por meio da fusão nuclear. A pressão gerada pelas reações nucleares é o que evita que uma estrela caia sobre si mesma devido à ação esmagadora de sua própria gravidade. Quando, porém, a estrela consome seu combustível nuclear, a gravidade vence e a estrela entra em colapso. Se a estrela é muito massiva, o colapso é total e catastrófico. Poderíamos dizer que a estrela deixa de existir, e em seu lugar fica apenas o “vazio” do buraco negro. Esse “vazio” é bastante peculiar, pois ele possui uma superfície e um centro. A superfície do buraco negro é chamada de “horizonte de eventos”. O nome indica tratar-se de um limite além do qual nada pode voltar, nem mesmo a luz. Já o centro de um buraco negro é chamado de “singularidade” e indica uma região proibida ao nosso escrutínio matemático. Não é sem motivo que um ditado recorrente nos cursos de Física diz que buracos negros são o que resulta quando Deus divide por zero.

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Leia também: A conquista do universo (artigo de Alexandre Zabot, publicado em 3 de agosto de 2015)

O problema que Hawking enfrentou em seguida foi a aparente contradição entre a termodinâmica e a existência dos buracos negros. A termodinâmica nos diz que a desordem do universo está sempre aumentando e que não pode diminuir. O cálculo da desordem de um sistema se dá pela temperatura dos objetos presentes. Porém, se nosso sistema é o próprio universo, poderíamos eliminar objetos simplesmente jogando-os em um buraco negro. Afinal, tudo o que cai na singularidade, para todos os efeitos, deixa de existir. Hawking acreditava, de fato, que a termodinâmica estava errada, mas, após lançar-se aos cálculos do problema, foi capaz de encontrar uma equação que reconciliava a existência dos buracos negros com a termodinâmica. Ele provou que os buracos negros têm uma temperatura, ainda que muito baixa, e que portanto também contribuem para o aumento da desordem no universo. Esta temperatura ficou conhecida como “Radiação Hawking”.

O feito de Hawking gerou uma avalanche de novas ideias para resolver os maiores problemas da física, por exemplo a chamada “Teoria de Tudo”, que tenta unir aquilo que sabemos sobre o comportamento do espaço e do tempo com o comportamento da matéria em regiões infinitesimais. Muito nesse sentido foi avançado pelo próprio Hawking, que inclusive usou suas ferramentas teóricas para investigar o início do universo, outro problema fundamental da física. De fato, todo o trabalho de Hawking será discutido ainda por muitos anos e por muitos físicos e cientistas.

Outro grande legado de Stephen Hawking é a popularização da ciência, e a geração de mais cientistas e leigos curiosos. Quem sabe quantos pequenos estudantes serão animados a buscar respostas para os nossos maiores questionamentos a respeito da vida, do universo e tudo mais?

Rafael Camargo Rodrigues de Lima tem doutorado em Física Nuclear pela UFSC e pós-doutorado em Astrofísica pela Università Degli Studi di Roma, e é professor de Física na Universidade do Estado de Santa Catarina.
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