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Felipe Lima

Há exatos 60 anos, na Sala dos Horácios e Curiácios, de impactante beleza renascentista no Capitólio romano, assinava-se o tratado que instituiu as Comunidades Europeias, depois União Europeia. Eram outros tempos e seis países associavam-se de forma inédita, em busca de paulatina integração política por meio de integração econômica. Países de continente então esfacelado por ódios ancestrais e por acervo de guerras sucessivas, culminadas no desvario das guerras mundiais, com seus mais de 70 milhões de mortos, holocaustos, genocidas e bombas atômicas. Contam os cronistas da época que foi sessão com alguma pompa, porém improvisada a ponto de o Tratado de Roma não ter sido datilografado em tempo, o que obrigou os altos dignitários a firmarem um simulacro de capa e contracapa, com centenas de folhas em branco.

Não obstante a descrença do mundo anglo-saxão e da então União Soviética, com o ato dava-se forma consequente à integração regional, em bloco fadado a inovar nas relações internacionais, aproximando inimigos históricos, como franceses e alemães, com valores de liberalismo, democracia, cooperação e solidariedade. Era o êxito de geração de líderes luminares, cosmopolitas e pragmáticos, imbuídos de valores elevados, amadurecidos nas cruezas de guerras mundiais. Era ainda esforço em renascer das cinzas, proscrevendo lutas fratricidas, além de fortalecer o continente face à Guerra Fria que se delineava – não mais entre europeus, mas, todos sabiam, com bombas atômicas sobre europeus.

A União Europeia refulge bem mais do que suas falências de percurso

O sucesso da governança comunitária foi imediato e seu alargamento e aprofundamento, fulminantes. Em um átimo fez-se a política do acquis communautaire, vale dizer, de conquistas asseguradas, a revolucionar o direito, a política e a geografia. Nunca mais o mundo foi o mesmo, com a ideia-força de supranacionalidade e de regionalismo aberto a superar o velho modelo de Estado autorreferente, cronicamente limitado e naturalmente belicoso.

Como fatos históricos têm valoração a posteriori, não é negligenciável que o historiador do futuro veja na fundação da Europa nova periodização, de idade pós-contemporânea, alçando o 25 de março de 1957 ao rol das datas mais relevantes.

Atualmente, com o Brexit e com as lufadas extremistas que aparecem de forma recorrente no velho continente, há quem preveja o colapso da União Europeia, com a volta de nacionalismos e de fronteiras rancorosas. É previsão a ponderar. Os laços em particular da zona do euro são complexos e irrenunciáveis, com vantagens atreladas ao fato de ser a Europa, como bloco, a maior economia do mundo. Não serão humores eleitorais transitórios – ainda que provocados pela péssima gestão comunitária da avalanche de refugiados e pelos repulsivos atentados terroristas – que irão revogar a razão e paralisar o processo civilizatório. Conjunturas passam, estruturas remanescem.

Ademais, seria paradoxal que a Europa que proscreveu a guerra fosse – ainda que por seus erros pontuais – agora vítima de guerras que não são suas. A União Europeia refulge bem mais do que isso, em outro patamar, mais do que suas falências de percurso, forte o suficiente para superar crises devidas não a seus valores fundacionais, mas apesar deles. Os povos não voltam a comer com as mãos.

Jorge Fontoura é professor e advogado.
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