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Os equinos e bovinos, juntamente com lobos e cachorros, estão entre os primeiros animais domesticados. Durante as caçadas pré-históricas, os filhotes, que continuavam perto das mães assassinadas, eram recolhidos e criados em cativeiro, começando-se assim uma longa história de convivência (parasitária, é verdade) entre espécies. Apesar de o mundo ter evoluído, persiste em muitas cidades a utilização de carroças de tração animal para transporte de pessoas e coisas.

O Estado assegura aos exploradores do trabalho animal tudo aquilo que eles sonegam aos animais explorados

O animal responsável e a irresponsabilidade humana

Em surpreendente decisão por unanimidade, vereadores de Curitiba aprovaram um projeto de lei que proíbe o uso de veículos movidos por tração animal. Em resumo, isso significa o seguinte: carroça, só se for puxada pelos nossos parentes literalmente mais próximos: os Homo sapiens.

Leia o artigo de Francisco Razzo, mestre em Filosofia.

São muitos os males que afligem os animais obrigados a circular pelas cidades puxando carroças: inalação contínua de poluentes; cargas extremamente pesadas, deslocadas em subidas e descidas, muitas vezes íngremes; longas jornadas de trabalho; alimentação totalmente inadequada; desidratação; carroças em más condições ou defeituosas; alojamento inadequado na zona urbana; colocação de ferraduras de baixa qualidade e borrachas de pneus velhos nos cascos de animais, cuja troca frequente (em média a cada 15 dias) danifica os cascos, causando inflamações, infecções e lesões graves; ausência de percepção de doenças, por parte dos carroceiros, fazendo com que o animal seja obrigado a trabalhar doente e enfraquecido; uso de chicotes e ferramentas para agredir os animais; ausência de acompanhamento veterinário, vacinação e vermifugação, havendo estudos comprovando que quase 80% dos animais morrem por tétano e 100% dos animais, em muitas cidades, nunca foram tratados contra vermes; acidentes de trânsito; estresse e transtornos mentais causados pelo barulho, carga excessiva de trabalho e ausência de descanso.

A pressão da sociedade e de ativistas em defesa dos animais, entretanto, tem conseguido proibir a utilização de animais para transporte de pessoas e coisas nas vias púbicas. No fim de 2014, Israel se tornou o primeiro país a banir totalmente as carroças e carruagens com tração animal. Em dezembro de 2014, uma das propostas de campanha de Bill de Blasio para a prefeitura de Nova York foi concretizada. O prefeito apresentou o projeto de lei (Intro 573) visando banir as carruagens e carroças puxadas a cavalo (“bill to ban horse-drawn carriages”).

No Brasil, o Código Nacional de Trânsito, em seu artigo 24, XVIII, delegou aos municípios a competência para conceder autorização para condução de veículos de tração animal. Dezenas de municípios brasileiros já baniram as carroças das vias urbanas. Agora, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou por unanimidade projeto de lei do prefeito para proibir a circulação de veículos de tração animal.

A decisão é acertada e tem o apoio da sociedade. Se por um lado é verdade que algumas pessoas muito pobres ficarão sem um instrumento de trabalho, por outro lado não é menos verdade que o Estado brasileiro tem ampla rede de proteção de deficientes, idosos e crianças, como a Lei 8.742, o Estatuto do Idoso e o programa Bolsa Família. O Estado assegura aos exploradores do trabalho animal tudo aquilo que eles sonegam aos animais explorados, que vivem uma vida miserável, sem poder exercitar seu comportamento natural e privados dos mais básicos cuidados para sobrevivência, sendo açoitados quando não trabalham e descartados quando não conseguem mais trabalhar.

Uma das funções da lei é guiar comportamentos e institucionalizar valores. A proibição das carroças de tração animal pela Câmara Municipal de Curitiba traz para seus cidadãos o valor do respeito entre espécies e uma maior consideração e respeito para com os animais.

Anderson Furlan, juiz federal, é mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Econômicas e presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe).
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