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 | Geraldo Magela/Agência Senado
| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Doce memória: os apelidos na infância. Dos amigos e dos colegas, que ostentavam ou rechaçavam as alcunhas agressivas ou jocosas. A maioria dos apelidos cumpria, efetivamente, a nobre função de insultar ou ridicularizar a vítima, que assimilava fingindo não se importar ou que deixava clara a sua repugnância. Neste caso, as coisas ficavam piores. O grande erro era mostrar para todos que o apelido incomodava. Esta era a forma mais rápida e eficiente de nunca mais ser chamado na rua pelo nome de batismo. Reagiu, pegou. Por isso, não faltavam na época “cabeça de ovo”, “sovaco de aleijado”, “pão com ovo”, “gambá”, “bafo de fossa”, “nareba”, “joelho de porco”, “cara de jegue”, “pé de boi”, “pintor de rodapé”, “rolha de poço”, “caveirinha”, “tripa seca”, “alfinete”, “cabeção”, “Pinóquio”, “albino” (para os pretos), “carvão” (para os branquelos), “gaguinho” e por aí ia. Um festival de zombarias.

Como se nota, raramente um apelido tinha um propósito gentil ou virtuoso. Quanto mais evidenciasse uma parte evidente do corpo e algum comportamento, mais certeiro o apodo seria. O objetivo era quase sempre a gozação. E por isso era tão legal – desde que não fosse eu a vítima.

Mostrar que o apelido incomodava era a forma mais eficiente de nunca mais ser chamado pelo nome de batismo

A origem do uso do apelido é incerta. O que se sabe é que estava vinculado aos sobrenomes familiares e, por isso, era uma forma de diferenciar os nomes das pessoas. Ninguém, aliás, nunca esteve a salvo das alcunhas. Pobres e ricos, súditos e nobres, todos podiam ser alvos desse tipo de gracejo e sátira. Que o diga Pepino III, o Breve, rei dos francos de 751 a 768. Além de Pepino no nome, ganhou o apelido de “breve” por ser baixinho. Como impor autoridade um rei que se chama “Pepino pequeno”?

Se escolher apodadura é uma espécie de arte social do escárnio, o departamento de propinas da empreiteira Odebrecht merece o troféu do ano. Concordo com a observação do jornalista Octavio Guedes, editor-chefe do Extra: as alcunhas foram criadas para mostrar o desprezo pelos políticos corruptos, não para omitir as suas respectivas identidades. E nisso os funcionários da empresa baiana foram criativos.

Tirando os óbvios cognomes “Caju” para Romero Jucá, “Babel” para Geddel Vieira Lima e “Comuna” para Daniel Almeida, do PCdoB, o pessoal do departamento de propinas estava inspirado na maldade quando escolheu “Campari” para Gim Argello (se acrescentar Martini e gelo temos um Negroni), “Caranguejo” para Eduardo Cunha (talvez pelo nada sedutor olhar estrábico), “Missa” para José Carlos Aleluia (é óbvio, mas um achado), “Misericórdia” para Antonio Brito (pelo trabalho com as Santas Casas de Misericórdia), “Las Vegas” para Anderson Dornelles (o que se faz com Vegas fica com Vegas?), “Santo” para Geraldo Alckmin (por ser católico? Ou porque nunca até então havia tido seu nome envolvido num escândalo de corrupção?), “Gato Angorá” para Moreira Franco (apelido dado por Leonel Brizola pelos cabelos grisalhos e pela facilidade com que trocava de colo de quem estivesse no poder), “Piqui” para Ciro Nogueira (o que fez Ciro para ser identificado com o caroço do fruto que tem espinhos que podem provocar ferimentos graves no palato e na gengiva?), “Boca Mole” para Heráclito Fortes (por razões labiais óbvias), “Feia” para Lídice da Mata e “Todo Feio” para Inaldo Leitão (para não ser indelicado, tirem suas próprias conclusões no Google Imagens).

As zombeteiras alcunhas criadas para os políticos suspeitos de receber dinheiro da Odebrecht estão em consonância com o monumental esquema de corrupção revelado pela Lava Jato. E se “o apelido é a pedra mais pesada que o diabo pode atirar em alguém”, como disse o escritor inglês William Hazlitt, o departamento de propinas da empreiteira assumiu com perfeição o papel do cramulhão.

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