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Na ética e na política, a visão monista acredita que só existe um único sistema razoável de valores (morais e não morais) que funciona para todas as pessoas e ao qual todos nós devemos ser submetidos. Na semana passada, indaguei se somente um valor incondicional, como defendido pelos monistas, poderia ter autoridade moral, racional e independente do contexto para enfrentar os problemas do relativismo. E perguntei se o pluralismo proposto por John Kekes seria adequado para combater os relativismos e a degradação cultural.

Kekes responderá com uma afirmação partilhada pelo relativismo e igualmente problemática: a de que não existem valores incondicionais. Porém, fazendo jus à sua natureza de conflito e de perda, esse tipo de pluralismo dirá que muitos valores merecem ser mantidos e que possuem, dentro e fora do contexto em que são afirmados, tanto uma autoridade racional como uma autoridade moral.

Todo processo de degradação ética, moral e cultural também é reflexo do nosso alheamento em relação à Verdade e ao Belo

Apesar de parecer o contrário, Kekes não pretende relativizar os valores. O que o filósofo está a nos dizer, e aqui recorro à síntese formulada por João Pereira Coutinho, é que “os ‘valores primários’ habitam um universo de necessidade moral; os ‘valores secundários’, um universo de possibilidade moral”. O que isso significa? Que é possível defender “uma concepção pluralista em que valores fundacionais são condição prioritária para a existência dos restantes”.

O pluralismo de Kekes abre, portanto, a possibilidade de se defender, segundo Coutinho, “minima moralia (‘mínimos morais’) que, embora não determinem aquilo que os seres humanos elegem como fins últimos de vida, não se furtam a afirmar aquilo de que eles, enquanto seres humanos, necessariamente não serão capazes de prescindir”. No plano da ética política, tal posição manifesta-se de maneira bastante evidente: rejeita a agenda relativista segundo a qual “os problemas, em política, serão apenas resolvidos pelos valores relativos a determinadas culturas ou sociedades” e a proposta absolutista de “que existe um standard universal e objetivo capaz de resolver todos os problemas políticos”.

A proposta absolutista rejeitada por Kekes está vinculada ao racionalismo na política que se expressa numa política de fé, para usar a definição do filósofo político Michael Oakeshott no ensaio Rationalism in Politics. A ideia racionalista, segundo Oakeshott, fundamenta-se na crença de existe somente uma única solução racional e melhor para todos os problemas. O racionalista político é um crente que deposita sua fé nessa razão dogmática; razão esta que conduz a uma política de uniformização dentro da sociedade.

Aqui vemos um vínculo entre a política de fé e as visões monista e absolutista, todas elas inimigas da diversidade e, portanto, amigas de uma perspectiva social e política cuja natureza é totalitária. O pluralismo de Kekes, pelo contrário, valoriza a diversidade que se manifesta na aceitação de “tipos de valores radicalmente diferentes”. Mas a “discordância entre os distintos valores morais (bem comum, amor, amizade) e não morais (beleza, carreira, aventura)” não implica em tolerar valores radicais que ponham em causa os muitos valores que merecem ser mantidos por portarem uma autoridade racional e moral e são essenciais para a existência de uma “vida boa”, que é “tanto pessoalmente satisfatória como moralmente meritória”.

Todo processo de degradação ética, moral e cultural também é reflexo do nosso alheamento em relação à Verdade e ao Belo (e a ausência da transcendência exerce um papel negativo essencial) e da nossa incapacidade circunstancial para identificá-los. Tal falha abre uma vereda maligna para a ascensão e aceitação da mentira, da feiúra, do secularismo radical que, travestidos de valores, põem em causa os valores mais fundamentais da vida em comunidade.

O pluralismo de Kekes– fundamentado na sua posição conservadora – é um dos elementos fulcrais para enfrentar esse processo de degradação e viabilizar uma “vida boa”.

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