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| Foto: Nilson Thomé/Divulgação

Nesse ano completam-se 100 anos do fim da Guerra do Contestado. A data é marcada pela captura do líder caboclo Adeodato, em agosto de 1916, quando os rebeldes por ele liderados já haviam se dispersado pelo interior de Santa Catarina e Paraná, ou sido mortos nos confrontos. A guerra, iniciada quatro anos antes, em 1912, foi um dos maiores conflitos do nosso país e determinou os limites entre os estados do Paraná e Santa Catarina.

Era o período da chamada República Velha, marcado por disputas sobre os limites territoriais do país. Menos de 20 anos antes do início da guerra, em 1895, o Brasil ainda resolvia seus domínios sobre o oeste de Santa Catarina com a Argentina, com a ajuda da arbitragem internacional. O princípio utilizado na solução desses “conflitos” era o uti possidetis, que é o reconhecimento da soberania ao país que exerce a posse de fato sobre o território. Uma espécie de usucapião entre países.

Os caboclos foram vítimas da violência e da fome que certo modelo de “desenvolvimento” trouxe

A verdade é que o Brasil tinha um grande sertão pouco explorado e povoado por comunidades de caboclos que não detinham vínculos nacionais. A escassa presença estatal nessa região tornava muito difícil definir se os residentes seriam brasileiros ou argentinos. Possivelmente falantes de um dialeto misto entre português, espanhol e tupi, o desafio que se seguiu à definição da soberania do Brasil sobre essas terras foi decidir se seriam paranaenses ou catarinenses.

Disso surgiu uma disputa judicial que foi ao Supremo Tribunal Federal, a quem competiu decidir sobre os limites entre os estados. Argumentando que os rios deveriam formar esses limites, Santa Catarina reivindicava todo o território ao sul do Rio Iguaçu. O Paraná, por outro lado, dizia que seu território deveria ser aquele que lhe foi legado por São Paulo, depois da emancipação da 5.ª Comarca, e reivindicava os limites até a cidade de Lages, na divisa com o Rio Grande do Sul.

Paralelamente a este conflito, a região recebia um importante investimento para o seu desenvolvimento: a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul, que cortava os estados do Paraná e Santa Catarina. A forma de concessão aos construtores da ferrovia, entretanto, foi responsável pelo grande saque dos recursos naturais do interior do estado. A empresa americana responsável pela obra tinha direito ao domínio de larga área dos dois lados da ferrovia, onde poderia explorar as extensas florestas de araucária.

Ocorre que nessas áreas moravam os caboclos que viviam de suas atividades agrícolas de subsistência e que, com a vinda da ferrovia, passaram a ser violentamente expulsos de suas terras. Vítimas da violência e da fome que esse modelo de “desenvolvimento” trouxe, os despossuídos concentravam-se em redutos onde, liderados pelo mítico monge João Maria, organizaram um movimento de reação e passaram a enfrentar a ferrovia. O Paraná, que era governado pelo advogado da ferrovia, mobilizou as forças de repressão aos rebeldes, dando início à guerra.

Mesmo com a flagrante desigualdade de forças entre os dois lados, caboclos e a Polícia Militar do Paraná, a guerra se estendeu por quatro anos, mostrando a capacidade de resistência dos rebeldes, que usavam a mata como principal arma contra os comandos policiais.

O desfecho inevitável desta guerra, a vitória das forças oficiais, veio com o tempo, e permitiu ao Paraná garantir seus limites para além do Rio Iguaçu, muito embora tenha aceito que Santa Catarina também tivesse direito sobre o sertão. Entretanto, diferentemente do que muitos concluem, os caboclos não estavam lutando em favor dos limites de Santa Catarina, ou contra a república, e sim em defesa de sua própria sobrevivência. Mesmo com sua tenacidade, comparável à dos rebeldes de Canudos, foram os maiores derrotados do conflito.

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