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 | Beto Barata/Presidência da República
| Foto: Beto Barata/Presidência da República

A preocupação da sociedade com a cultura da corrupção, que parece impregnada na elite política como uma maldição desde que Pero Vaz de Caminha pediu, em terras brasileiras, que o rei garantisse favores ao seu genro, não tem comovido suficientemente os chefes dos poderes e alguns agentes responsáveis pelo combate aos esquemas. Por isso, a sociedade tem tido sérias dúvidas de que o dito combate à corrupção, que já derrubou pessoas do mais alto escalão, não vá, realmente, até as últimas consequências.

Um dos episódios que lançaram essa dúvida foi a surpreendente declaração do ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, que até semana passada sustentava ter repassado à campanha presidencial de Dilma-Temer o valor de R$ 1 milhão, pago como propina. O dirigente deu detalhes da propina, como o fato de que ela corresponderia a 1% do repasse referente a uma obra. Mas, recentemente, voltou atrás. Disse que havia se “confundido”.

Temer tem defendido que o processo de análise das candidaturas de presidente e vice-presidente deve ser desmembrado

A existência de repasse de propina para a campanha presidencial significaria mais força para a tese da candidatura irregular de Dilma em 2014, motivando a cassação da chapa presidencial, ou seja, de Dilma e Temer. Como Dilma já sofreu impeachment, a real consequência desse processo seria uma possível cassação de Temer, que deixaria o cargo de presidente, abrindo a necessidade de novas eleições, que poderiam ser diretas, se a cassação ocorrer até o fim desse ano, ou indiretas, a partir de janeiro de 2017.

Por isso, Temer tem defendido que o processo de análise das candidaturas de presidente e vice-presidente deve ser desmembrado, para que apenas a candidatura de Dilma seja rejeitada pelas denúncias de propina no financiamento da campanha, preservando intacta a candidatura do vice.

Mas o que motivou a mudança de discurso do presidente da Andrade Gutierrez? No começo desse mês, o cheque que teria sido pago pela empreiteira à campanha presidencial foi divulgado, e nele consta que o favorecido seria o próprio vice-presidente Michel Temer. Isso poderia provocar uma reviravolta no processo de cassação da chapa, já que, se ficasse comprovado que a candidatura a vice teria sido beneficiada pela propina, o desmembramento não teria grande relevância e Temer também estaria na mira da cassação pela Justiça Eleitoral.

Então, agora, o ex-presidente da Andrade Gutierrez declara, com a máxima naturalidade, que essa doação foi legal. Por um lapso, teria misturado esse valor com outros pagamentos de propina, e assim se pronunciou em novo depoimento na Justiça Eleitoral.

Mas espera-se que o Judiciário jamais aceite uma retificação desse tipo. Não se pode admitir que uma confusão dessa natureza seja considerada possível. Trata-se, evidentemente, de uma tentativa de blindar Michel Temer. A aguardar o julgamento final do TSE, que, se espera ser visto com seriedade pela sociedade, deveria desconsiderar essa “correção” de Otávio Azevedo. Afinal, o rigoroso combate à corrupção não deve ter preferências, não deve apenas servir para destituir desafetos e poupar os amigos do rei.

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