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A política é, ou deveria ser, a arte de cuidar do que é interesse coletivo. Para isso, é preciso que haja não apenas um consenso básico sobre o que é do interesse coletivo, mas também um certo grau mínimo de civilidade que permita o diálogo com os opositores. Ninguém escolhe o mal sabendo que ele é mau, e se alguém tem uma opinião diferente da nossa sobre o que é melhor para o país ele há de ter suas razões para tal. Para ele, aquilo que nos parece abominável realmente parece melhor que a alternativa que favorecemos, e ele também, exatamente como nós, age movido por amor à pátria.

Daí a importância do consenso básico: é difícil, muito difícil, lidar politicamente com pessoas cujo interesse maior é transformar a sociedade existente em outra coisa, fazer de seus concidadãos as cobaias de alguma utopia que nunca deu certo. O que deveria ser consensual, como o fato de que haver 60 mil homicídios por ano em um país que não está em guerra é uma abominação, acaba cedendo lugar a disputas pelo poder em estado puro e bruto. Um lado precisa dele para tentar implantar aqui sua utopia – na crença infundada de que desta vez dará certo – e o outro quer simplesmente impedir que a coisa piore, somando-se outros problemas aos que já deveriam ser consensualmente prioritários.

Deixar as palavras de lado e desumanizar o próximo com uma cusparada é algo que pessoas decentes simplesmente não fazem

É para momentos como este, em que a paciência de ambos os lados se esgarça aos últimos limites, que existem os códigos de civilidade e decoro oficiais do parlamento – literalmente, o “lugar de falar” – e informais da vida cotidiana. O parlamento é lugar de falar. Ponto. Não é lugar de atirar, bater ou cuspir. Mesmo na rua, deixar as palavras de lado e desumanizar o próximo com uma cusparada é algo que pessoas decentes simplesmente não fazem. Não importa a razão; ainda que se esteja tomado pela mais completa exasperação, não se cospe nos outros, nem se cospe de volta quando algum boçal o faz em primeiro lugar.

Infelizmente, o péssimo exemplo de coisificação do adversário que, em pleno parlamento, o deputado Jean Wyllys levantou e seu colega Eduardo Bolsonaro cortou já se espalhou por outros ecossistemas. O ator petista Zé de Abreu já cuspiu em público numa senhora e em seu marido, gabando-se do feito nas redes sociais, e é de se esperar que gente menos famosa, à esquerda e à direita, adote tão triste prática.

Isso não é mais política; ao contrário, é a morte da política. A diferença entre a palavra e o escarro é de essência, mas entre a cusparada e o fuzilamento ela é meramente de grau. Somos todos brasileiros, e queremos todos o melhor para o país. As divergências, muito reais, acerca de o que é este melhor não devem – não podem! – nos impedir de respeitar o próximo em toda a sua dignidade. Dialoguemos sempre.

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