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 | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

A moda dos cabelos das moças dá voltas e mais voltas, mas a última delas me deixou bem contente: falo dos cachinhos, que andavam desaparecidos e voltaram. Por força de chapinhas e mágicas de salão, a mulherada estava toda com a cara como que entre parênteses, com os cabelos domados, escorridos, lambidos, retos como uma estrada chata. E eis que, de repente, para onde quer que se olhe veem-se cachos, belos cachos, enfeitando como uma espuma de mulher bonita as ruas das cidades.

Cachos têm um certo mistério primevo, algo de floresta, em que se tem a impressão de ser fácil perder-se. Cachos são vivos, vão para lá enquanto a moça vem para cá, como se o cabelo ousasse ondas de mar. Desde aqueles mais retinhos que antigamente algumas ainda se permitiam, que meu avô de saudosa memória comparava a viçosas samambaias, às nuvens redondas de cachos que hoje emolduram tantos rostos femininos; em todos eles parece-me haver algum mistério feminino mais profundo que em cabelos retos, lisos, escorrendo sem outra preocupação que a lei da gravidade. A mesma gravidade que os cachos, alegremente, desafiam.

Pressente-se uma sombra bendita dentro daqueles cachos, como se houvesse um cantinho onde armar uma rede e descansar

Cachos não são graves, conquanto tenham algo de obscuro. Pressente-se uma sombra bendita dentro daqueles cachos, como se houvesse um cantinho onde armar uma rede e descansar. Mas é uma sombra de mulher, não uma vulgar sombra de floresta, em que uma espingarda e um bom par de botas nos mantêm a salvo: com mulheres nunca se está plenamente a salvo, assim como sem elas é impossível assim estar.

É exatamente por mulheres serem um mistério, quiçá o mais doce dos mistérios a descobrir sem deixar de ser o mais profundo e difícil, que faz pleno sentido que ao redor de uma cabeça feminina haja algo assim. Algo multiforme, algo quase vivo, algo com braços que puxam e empurram para longe. Algo que produz sombra, que perfuma o ar por onde passa, que movimenta uma beleza que já existiria sem eles, mesmo se tristemente posta entre as duas paredes sólidas de cabelos lambidos num salão desses aí.

Disseram-me até que já há todo um mercado de produtos voltado ao que chamam “transição capilar” (adorei o nome!). Seria a libertação das pobres moças da ditadura das chapinhas ou produtos químicos com que tentavam envenenar seus cachinhos para que escorressem, tristes. É uma libertação complicada, dizem-me as moças que passam por ela. Como tudo o que mulher faz com o cabelo, implica em uma enormidade de idas ao salão, ainda que seja para conseguir recuperar o que já era seu de antemão, como os cachos. Vai lá e corta um pedaço, e depois outro porque ficou sem corte, depois usa um arquinho, passa para a bandana, volta para o arquinho, e lá vão surgindo os cachinhos em todo o seu esplendor. Que venham!

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