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 | Roberto Custodio/Arquivo Jornal de Londrina
| Foto: Roberto Custodio/Arquivo Jornal de Londrina

O massacre na penitenciária de Manaus é um sintoma de um processo de transformação radical da sociedade. Não se trata mais de criminalidade que possa ser combatida prendendo-se os criminosos; é das penitenciárias que vêm as ordens e são elas que servem de quartel-general das gangues organizadas segundo o modelo paulista. O “ecossistema” em que circulam os membros dessas gangues é o mesmo: favelas das capitais, cadeia, favela de volta. É uma área da sociedade em que as instituições formais, quando existem, são percebidas como inimigas ou, na melhor das hipóteses, em uma estranha coabitação com a organização criminosa que, para os membros da gangue, rege seu universo.

Os criminosos profissionais, do mais humilde olheiro de boca de fumo ao maior dos traficantes, estão na vanguarda de um processo de reorganização da sociedade como um todo, em que o poder central tão caro à modernidade está se esvaindo como a areia que cai por entre os dedos. O processo começa pelo crime, porque o crime tem menos a ganhar da sociedade formal. O que ganha, entretanto, é valioso para eles: o domínio de fato dos presídios, verdadeiros cursos de graduação e pós-graduação em bandidagem. Ser preso significa, na prática, unir-se a uma das gangues em sangrenta busca de territórios. Na cadeia e fora dela, os presos trabalham para proveito próprio e pagamento de taxas de sócio da gangue. Quem nunca recebeu uma ligação de estelionatários presos dizendo que fomos contemplados em algum sorteio?

O poder central tão caro à modernidade está se esvaindo como a areia que cai por entre os dedos

Enquanto isso, vários estados já não conseguem mais pagar os funcionários. As leis, que antes já não pegavam a não ser que houvesse algum meio de fazê-las valer, punindo os infratores, agora perderam ainda mais moral. A sociedade está num buraco sem saída: a cadeia é onde os bandidos se formam, e os cidadãos supostamente livres vivem apavorados atrás de muros, grades e alarmes. Isso ocorre porque quanto mais legítima é a ocupação de alguém do ponto de vista da economia formal, mais a pessoa depende dos serviços que não são mais prestados a contento pelo Estado, se é que um dia o foram.

Nesses estertores da modernidade, temos um Estado que tenta abraçar o mundo com as pernas, e não consegue mais fazer valer sua autoridade de forma ordinária. Organizações paraestatais tendem a crescer e se multiplicar, preenchendo o vazio deixado pela incapacidade de ação do Estado moderno decadente. O processo começa pelos criminosos porque eles são os menos dependentes do Estado, mas em breve veremos organizações de cidadãos de bem tomando a frente em muitas áreas de que hoje o Estado se arvora o controle. Quais serão elas? As que nós fizermos. Há um vácuo de poder, e a natureza odeia o vácuo. Ajamos para preenchê-lo.

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