• Carregando...

Numa dessas coincidências de arrepiar psicólogos junguianos, recebi nesta semana reclamações simultâneas, de leitores diferentes, acerca da mesma coisa: o meu cachimbo na foto.

Quando me pediram uma foto para botar na coluna, suei frio. Sou sempre eu quem tira as fotos, e é um suplício ficar do lado "errado" da câmera. Pedi que um fotógrafo amigo a tirasse, engoli seco, e me submeti a uma sessão de cliques. Só fiz questão de uma coisa: que o cachimbo aparecesse na foto. Na hora de escolher, vi-me diante de uma pasta do computador com cerca de 50 fotos, com óculos, sem eles, de frente, de lado, de três-quartos, só faltou de ponta-cabeça. Em todas elas, em lugar de honra, o bendito do cachimbo. Numas ele fumegava, noutras estava apagado ou apagando. Mas em todas estava presente.

Fiz questão de que ele aparecesse por uma razão simples: estamos em um momento da nossa história cultural em que ocorre uma série de reviravoltas muito estranhas. A demonização do tabaco – moralmente inócuo – soma-se à aceitação forçada de todo tipo de coisa que em qualquer outro momento da História teria valido no mínimo um certo mal-estar. O culto ao corpo – com dietas, ginásticas, antitabagismos e quetais – soma-se a um culto ao prazer sensível, tratado como se jamais tivesse efeitos deletérios, ou como se eles pudessem ser neutralizados com talismãs (camisinhas, adoçantes...).

E daí me vêm esses leitores, na melhor das intenções, apontar pressurosos que eu posso estar "dando mau exemplo às criancinhas", ou coisa que o valha, ao fumar o meu cachimbo. Ora, diria eu, mau exemplo dá quem acha que camisinha é talismã e torna qualquer sexo benfazejo. Eu só espanto os mosquitos.

Se o cachimbo me encurtar a vida – o que é bem pouco provável, já que eu, que moro na roça, respiro, com cachimbo e tudo, muito menos fumaça que a maioria dos citadinos –, não há problema. A vida é curta, qualquer vida. Já vi barracos de pau a pique que estão aí há 200 anos, mas é raríssimo ver gente que chegue aos 120. Havia uma senhora que estava por aí, morreu há pouco; ela parara de fumar aos 98, porque queimava a ponta do nariz ao acender a guimba do cigarro de palha.

Meu cachimbo, assim, serve como lembrete: lembrete de que há algo além de uma saúde física que dura muito pouco, que há prioridades maiores e mais cruciais que estar em forma ou ter prazer sexual sem doença venérea. E estas o cachimbo não afeta. E estas a nossa sociedade vem jogando no lixo.

Deixem-me espantar os mosquitos, por favor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]