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Começou o mais patéticos dos muitos teatrinhos de que é composta a pretensa vida cívica brasileira: a campanha eleitoral. Ela já teve muitas fases, da excessivamente sóbria, no tempo dos militares, em que um locutor de voz grave lia o currículo do candidato cuja foto 3x4 aparecia na tela da tevê, à plenamente carnavalesca, com showmícios e farta distribuição do que mestre Cândido Mendes chama de “enxoval eleitoral do pseudo-prosélito”: camiseta, porta-título, caneta, boné, o escambau.

O libreto da ópera, contudo, é sempre o mesmo: uma competição em que se julga o talento para o estelionato de várias pessoas ambiciosas. Como em um reality show de tevê, eles têm que passar por duras provas: comer buchada, beber cafezinho em copo sujo no boteco, andar em terrenos irregulares sorrindo e fingindo estar feliz, abraçar gente feia, pobre e desdentada, mentir como se não houvesse amanhã, declarar-se devotíssimo da religião do freguês, qualquer que ela seja… O importante é conseguir convencer individualmente cada otário, ops, eleitor, de que se é exatamente aquilo que o sujeito queria que ele fosse. O amante latino para as senhoras de uma certa idade, o tecnocrata para quem gosta de planilhas, o certinho para quem é moralista, o homem de ação para quem está cansado da inação governamental, etc.

É por isso que me mantenho por princípio na oposição: é um favor que faço aos políticos, um auxílio para mantê-los minimamente honestos.

Só o que o sujeito não é, não quer ser e nunca se disporia a ser é o que a teoria constitucional o pretende sendo: legislador isento, administrador impessoal, essas coisas de que a gente ouve falar, mas que, como cabeça de bacalhau e enterro de anão, não fazem parte da experiência pessoal de quase ninguém, se é que existem. O que eles querem é o poder, como as mais que bem-vindas investigações policiais e judiciais têm trazido à luz nos últimos anos. O poder de gastar ou desviar o dinheiro do contribuinte, o poder de mandar, o poder de ser alguém importante, ouvido, afagado. Poder é mais, muito mais, que dinheiro. Se alguém que tem poder suficiente suspira que o Havaí é lindo, imediatamente precisa recusar várias ofertas de passagem de primeira classe com estadia completa para toda a família. O dinheiro, do mesmo modo, flui na direção dos poderosos.

É por isso que me mantenho por princípio na oposição: é um favor que faço aos políticos, um auxílio para mantê-los minimamente honestos. Políticos devem ser vigiados de muito perto. Idealmente, eles deveriam viver em casas de vidro, com os telefones ligados sempre no viva-voz e a correspondência lida em público. Quem tem o bônus do poder deve sofrer o ônus da falta da privacidade e mesmo do respeito a que só têm direito os demais cidadãos. O político deve ser percebido como escravo do eleitorado; para ele não pode valer a Lei Áurea.

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