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 | Andressa Anholete/AFP
| Foto: Andressa Anholete/AFP

O discurso político raramente corresponde à realidade, mesmo quando levamos em conta os vieses pelos quais nos negamos a vê-la. Isso se mostra de maneira claríssima quando toda a mídia – et pour cause – trata da “situação prisional” do país, sem jamais dizer que não temos prisões. Prisões, por definição, não são geridas pelos presos. O que temos, e que faz as vezes de prisão, é um território liberado do crime mais-ou-menos organizado. É apenas a consideração peculiar do brasileiro que faz com que os presos prefiram estar lá que sair em bando; carcereiros bastantes para evitar que o fizessem, não os há.

Ao mesmo tempo, pouco têm a ver com a realidade dos fatos os dinheiros pra inglês ver (e para engordar os empreiteiros e seus servos, os políticos) que o Estado generosamente distribui às penitenciárias. As penitenciárias são apenas escolas do crime, dominadas pelos criminosos como as universidades são hoje dominadas pelos alunos (outra loucura, aliás). Os carcereiros são meros funcionários, empregados de uma administração remota. O próprio Estado, ao criar uma rede de penitenciárias federais e transferir a elas os presos mais perigosos, criou uma rede de intercâmbio de experiências do crime organizado. Este, aliás, começou no Brasil pelo contubérnio entre terroristas de esquerda e presos comuns, um dos maiores erros dos militares.

Que outra força poderia se levantar contra o crime? Não a de um Estado apodrecendo a partir das beiradas

Dos grupos terroristas surgiu o Comando Vermelho, e deste o PCC e as demais facções que ora se digladiam pelo controle de algo que a sociedade como um todo finge não perceber o que é: o controle do sistema educacional do crime, as penitenciárias. É todo um sistema que sobrevive de verbas estatais e que aos incautos se apresenta como cumprindo dever de Estado, mas que na verdade representa um poder rival ao do Estado e mesmo, como o diz abertamente o PCC, um poder em aberta competição com ele.

Há mais ordem no Brasil das penitenciárias que no Brasil do trânsito e dos contribuintes mourejando pelas ruas das cidades. Mas é uma ordem perversa, uma ordem que vem da força; uma força que o Estado só consegue ter contra os cidadãos honestos, mas que o crime organizado tem de modo absoluto. O crime é força.

Que outra força poderia se levantar contra esta? Não a de um Estado apodrecendo a partir das beiradas; basta ver como é nos estados mais pobres que ocorrem os massacres mais horrendos. Um novo Carandiru, que só serviria para assumir a polícia como gangue rival das outras, não ajudaria em nada. Um esforço concentrado para criar penitenciárias de verdade – com bloqueadores de celular, isolamento de presos, revistas a visitantes e funcionários suficientes para fazer funcionar um panóptico – poderia funcionar. Parece-me, contudo, ser tarde demais.

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