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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Para tristeza de minha amada, que abomina a poeira que os livros acumulam, sou um bibliófilo terminal, com nem sei quantas dezenas de milhares de livros acumulando-se em estantes, mesas e cadeiras do meu escritório. Também leio em meios eletrônicos, sem preconceito algum. O importante para mim não é o objeto que contenha as letras, mas o texto.

Estou escrevendo um livro do divertido gênero subliterário conhecido como “história alternativa”, em que a graça é imaginar o que teria acontecido se algo houvesse ocorrido diferentemente. Há muitos livros que narram o que seria do mundo se os nazistas houvessem ganhado a guerra, por exemplo. O meu, contudo, vai mais longe: empenho-me em imaginar como seria o mundo se Lutero houvesse sido disléxico. Para tal, precisei mergulhar no mundo de há 500 anos, em que a imprensa ganhava ímpeto por toda parte. Antes dela, um livro era uma obra de arte, copiado à mão em pergaminho, letra por letra, ao longo de meses, e custando mais que uma boa casa na cidade. Com a imprensa, mesmo ainda manual, os livros subitamente passaram a estar ao alcance da pequena burguesia, possibilitando, assim, a criação luterana de uma religião baseada na Escritura.

É pelas letras que a mente ganha o mundo

O mais curioso é que o mesmo que se diz hoje do texto eletrônico e da internet era, então, dito dos livros impressos: são demasiadamente frágeis, feitos de papel! São tantos, que incentivam a preguiça intelectual, e seus donos nem tentam aprender o que eles contêm, preguiçosamente consultando-os quando necessário – vê-se que a biblioteca de livros impressos é a mãe do Google. A facilidade em escrever e divulgar os escritos faz com que se tenha muito menos cuidado na escrita, propagando-se erros não só de grafia quanto de pensamento. Os impressos levam as pessoas à preguiça intelectual, fazendo-as estar sempre de acordo com o último meme, ops, folheto impresso que leram. A preponderância da quantidade em detrimento da qualidade faz com que todo conhecimento adquirido por meio de livros impressos seja raso e fugaz.

E por aí vai; as acusações são exatamente as mesmas que se faz hoje à internet e aos textos eletrônicos, mostrando que estamos dando, 500 anos mais tarde, o passo seguinte num processo que já começara então. Tanto o livro quanto o texto digital são “puxadinhos” do cérebro e caixas de ferramentas extra que nos possibilitam ir além, abranger mais; até mesmo, de uma certa maneira, viver uma vida mais rica. São, sim, um território que se conquista e ao mesmo tempo uma muleta, um auxílio à memória. O importante não é o meio – a digitalização ou a impressão –, e sim a externalidade da memória escrita, ainda que gravada em placas de pedra ou argila.

É pelas letras que a mente ganha o mundo.

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