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Homens quebrados, desorientados, em busca de si, de um sentido. Há mais de século a literatura (inclua-se aí as demais artes narrativas, como o cinema) vem retratando o homem contemporâneo: nós. Do homem do subsolo dostoievskiano, passando pelos vislumbres de sentido nos fluxos de consciência de um Joyce, Proust, Faulkner, até chegar à terra desolada de T. S. Elliot, ao tempo dos homens partidos, de Drummond, à esperança resiliente de Cormac McCarthy, à literatura solipsista atual, de personagens que são apenas projeções mal camufladas do vazio existencial de seus autores que tentam, pela obra, ser alguém, como o peruano Jeremias Gamboa em seu Contar Tudo.

Não à toa no século 20 a psicologia e a psiquiatria se tornaram quase ciência matemática e a filosofia ou se liquefez na abstração analítica ou se encovou no existencialismo desesperançado. Sem contar a multiplicação de seitas e o mercado da auto-ajuda, sempre próspero. Tudo consequência do mesmo vazio, da mesma falência humana que começou bem antes. Mas voltemos à literatura: como poderia ajudar? Otto Maria Carpeaux, nosso grande crítico literário, em sua obra magna, História da Literatura Ocidental, conta-nos quem foi o primeiro homem, “em todos os tempos, a expor a sua humanidade fraca, falível e até antipática. (...) Para a literatura universal, é o Colombo de um novo continente”.

Há mais de século a literatura vem retratando o homem contemporâneo: nós

Trata-se de Santo Agostinho, em suas Confissões. Mas como alguém que viveu lá no século de guaraná de rolha poderia nos ajudar hoje em dia? Ainda mais religioso, santo, essas paradas que dão Zzzzzz. É verdade que a leitura não é fácil, inclusive a cristãos: não são poucos os que se incomodam com os constantes louvores a Deus, Jesus Cristo etc., irritando-se e querendo que ele conte logo a história. Quem nunca?

Mas Agostinho, já nos primeiros capítulos, trata disso. Ele mesmo não sabe se para escrever precisaria antes conhecer ou invocar e louvar Deus: “Mas alguém te invocará antes de te conhecer? Porque, te ignorando, facilmente estará em perigo de invocar outrem. Ou, porventura, deves antes ser invocado para depois ser conhecido? Mas como invocarão aquele em quem não creem? Ou como haverão de crer sem que alguém lhos pregue?” Boas perguntas, Agostinho, boas perguntas.

E agora, como faz? Se você não tem saco para essa conversa, preste atenção no homem que se confessa a Ele. Agostinho não escreveu como Santo Agostinho, mas como homem que também tira sarro dessas coisas: “deixa que eu fale, porque é à tua misericórdia que falo, e não ao homem, que de mim escarnece. Talvez tu também te rias de mim, mas, voltado para mim, terás compaixão”. Confesse, você sabe bem do que ele está falando aqui. Lembra daquele livro de auto-ajuda que você leu meio escondido, para ninguém descobrir que você lê essas coisas? E aquela terapia que ninguém desconfia você faz há anos? Talvez aquele remedinho que te faz levantar da cama e ninguém sabe? Se não isso, que tal aquele artista, música, filme, novela, livro, que você não ousa dizer nem para você que ama de paixão porque é um negócio jacu pra dedéu? Enfim, entendeu o que é falar à misericórdia de alguém?

E falar sobre o quê, “senão que ignoro de onde vim para aqui, para esta não sei se posso chamar de vida mortal ou morte vital? Não sei”. Mais atual, impossível!, confesse mais uma vez. Que tal dar uma chance às Confissões de Agostinho? Vai que você encontra respostas aos “não sei” que hoje padecemos nessa vida mortal ou morte vital? Fica a dica.

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