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“Não queremos tratar o carro como inimigo. Mas temos de nos perguntar se as vias públicas são para transportar mais carros ou mais pessoas”, disse o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, dias atrás, na inauguração de nova “Via Calma” na capital, aplicada na faixa para carros da Avenida João Gualberto, ligando o Centro da cidade ao bairro Santa Cândida. A via agora tem faixa preferencial para bicicletas e limite máximo de velocidade em 30 km/h, assim como ocorre na Avenida Sete de Setembro desde 2014. Até poderíamos nos perguntar – se a pergunta fizesse sentido. Afinal, carros não transportam pessoas?

A fala infeliz parece sintomática do quanto a política de ciclomobilidade carece de maior fundamento e explicação à população. Queira o leitor saber com base em que dados se verificou a necessidade da tal Via Calma na João Gualberto e nada encontrará. A Prefeitura disponibiliza site específico para tratar de projetos como esse, chamado “Mais Bici”. Por ele, acessamos pesquisas de contagem do tráfego feitas pelo Ippuc, nenhuma demonstrando alto tráfego de bicicletas nessa via, assim como também não havia na Sete de Setembro antes da implementação dessa mesma Via Calma.

Na Via Calma na Sete de Setembro, pesquisas demonstram que não houve aumento considerável de bicicletas circulando

Ah, sim, dirão que não foram criadas por necessidade, mas voltadas a uma mudança de comportamento, de cultura, para que mais pessoas se motivem a trocar o carro pela bicicleta, assim como os motoristas e ciclistas aprendam a compartilhar as ruas.

Pois bem, há pesquisa feita posteriormente à implantação da Via Calma na Sete de Setembro, demonstrando que não houve aumento considerável de bicicletas circulando, sendo o único efeito significativo o deslocamento da maioria dos ciclistas da canaleta do ônibus expresso para a faixa preferencial. Porém, como não há informação se tal deslocamento resultou em diminuição do número de acidentes, não há como saber nem sequer se a tal faixa aumentou a segurança dos ciclistas – o que, desconfia-se, não ocorreu, pois essa mesma pesquisa revelou que a maior queixa deles é a falta de respeito dos condutores. Outro dado faltante nessas pesquisas é um comparativo do registro de infrações de trânsito, seja de motoristas ou ciclistas, bem como comparativo para avaliar aumento ou diminuição de congestionamentos em torno dessas áreas. Afinal, sem esses dados, como saber se está funcionando essa política?

No mesmo dia da inauguração da nova Via Calma, foram noticiados também os primeiros resultados de estudos de ciclomobilidade que vêm sendo realizados em parceria entre quatro universidades locais, a Prefeitura de Curitiba e a Universidade de Twente, na Holanda. Uma pesquisa com 7,5 mil alunos, técnicos e professores das quatro universidades parceiras (UFPR, UTFPR, PUC e Positivo) revelou, dentre outras coisas, que a quantidade de pessoas que se deslocam com carro às universidades é de 37,5%. Os responsáveis pela pesquisa disseram não se surpreender com o número, estaria dentro do esperado, sem dizer por quê, apenas fazendo uma comparação com a cidade de Bogotá, que teria número menor que esse. OK, mas, como os mesmos responsáveis dizem que para questões de mobilidade urbana cada cidade tem características próprias a exigirem soluções específicas, a comparação parece sem sentido. Afinal, 37,5% é muito ou pouco? Alguém sabe?

Que me perdoem os leitores sem CNH, mas temos de nos perguntar essas coisas. Do contrário, nossas vias públicas servirão mais ao transporte de ideias, não de pessoas.

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