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 | Arte: Felipe Lima
| Foto: Arte: Felipe Lima

À época da minha colação de grau, eu olhava para alguém de 30 anos e via velhice. Meus planos para quando chegasse aos 30 pareciam mapa de viagem a lugar remoto, inatingível. Passei tão distraído pelo tempo que nem percebi que já são 30 primaveras outonais desde a cerimônia no teatro da Reitoria da UFPR.

A Praça Santos Andrade – hoje prenha de simbologia política tal qual a Osório e a Rui Barbosa – era o horizonte verde para o olhar perdido durante as aulas. Grandes aulas, aluno pequeno. Quisera ter na ocasião a percepção que hoje trago e tenho dos meus professores. Em cinco anos sintetizaram três milênios de cultura ocidental para que pudéssemos desertar da horda dos bárbaros e ingressar no rol dos civilizados.

Algumas características de confraria entre colegas são impublicáveis até hoje. Talvez seja melhor que morram em segredo os pecadilhos que cometíamos para ajudar quem tinha horários complicados no trabalho, morava longe, militava no movimento estudantil, dormia até tarde. O rigor das avaliações colmatava todos os recônditos mal iluminados do nosso comportamento e nas provas era preciso provar que havíamos estudado. Quanta nota baixa!

As notas eram públicas, sem o não-me-toque-não-me-rele que vigora nas escolas hoje – tempos avessos ao mérito – ao dificultar que um estudante veja a nota do outro

As meninas tinham notas altas. Seus cadernos eram freneticamente fotocopiados pelos vagais de sempre e quantas vezes a má qualidade da cópia me obrigou a exercícios mentais para preencher os trechos ilegíveis. Nessas horas, a camaradagem de amizades que as décadas não enferrujam salvava a minha pele. Incluo o Pimpolho no rol dos meus professores.

As notas eram públicas, sem o não-me-toque-não-me-rele que vigora nas escolas hoje – tempos avessos ao mérito – ao dificultar que um estudante veja a nota do outro. O conhecimento geral assegurava atribuição mais justa pelo professor e, ao mesmo tempo, instigava os desidiosos a estudar.

As notas do Lamartine, do Marçal, Machado, Luiz Fernando Coelho, Regina Ferrari eram aguardadas com ansiedade meio largada, irresponsável. Aos 20 anos as rédeas da vida estão soltas e não há premência da escassez do tempo. Tem-se a sensação de que a leveza juvenil é toda a vivência. Por isso a puerilidade com assuntos severos como as longas provas manuscritas.

Infelizmente não aprendemos latim e grego, mas nos foi exigido português o suficiente para sentirmos falta dos idiomas fundantes. Duas décadas antes e teríamos feito o vestibular recitando Homero e Sêneca. Fomos cobaias de modernidade pretensiosa, cega na soberba de se ver como bastante em si, como se tudo tivesse começado hoje cedo. Vítimas de cisalhamento cultural, vagamos pela atividade jurídica com a sensação de carência dos paradigmas clássicos e, ao mesmo tempo, movidos pelo desejo de edificar as pontes entre o passado e o futuro.

Se houve histórias rocambolescas da turma, delas eu não soube. Talvez a ausente presença que me caracterizou seja a causa da ignorância ou, o que reputo mais certo, éramos contidos, quase tímidos.

Retrospectivamente tudo soa breve, fugaz. É a primavera que não volta, na trajetória linear, sem ciclos, sem zerar e recomeçar. O outono é a estação da existência. A memória do verão de ontem está viva e o inverno ainda não chegou.

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