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Nesses tempos bicudos que muito se assemelham, no aspecto econômico, ao fim dos anos 80, os ânimos se acirram e se chega ao extremo de dizer que se vai “tocar fogo no Brasil”. O efeito retórico da conclamação piromaníaca não tem hoje o mesmo efeito que teria nos anos 60. As instituições da democracia são poderosas o suficiente para que nenhum incêndio comece. Passear pela teoria do poder ajuda a acalmar o espírito.

Em weberiana síntese, poder é a capacidade de obter conduta de outrem. A ausência do poder é a exceção; a sua presença ordinária nas relações intersubjetivas o eleva à condição de objeto mais relevante da ciência social, a tal ponto que o poder está para as ciências sociais da mesma maneira que a energia está para as ciências físicas, na expressão de Bertrand Russell.

Na sociedade civil, doses não destrutivas de desobediência são necessárias para assegurar que a dialética da democracia se mantenha hígida

Com as devidas adequações, poder é a energia que aquece, movimenta, eletriza as relações sociais. A contraface física da energia é a resistência; idem para o poder. O sonho dos físicos é a supercondutividade, situação na qual se elimina a resistência. Onírica para os detentores do poder é a superobediência. Oboedientia et pax. Almeja-se a obediência que enche o coração do subordinado de paz, tal qual um fiel prostrado diante da divindade.

Energia e poder se assemelham porque tendem a mudar o estado do objeto sobre o qual são exercidos e também porque ambos deparam com resistência. A distinção ôntica entre energia e poder está na postura do objeto sobre o qual são aplicados; aos elétrons não é dado mudar de ideia e resistir mais ou menos. Por isso, força física (aplicação de energia) e poder não se confundem conceitualmente: ter o carro rebocado é sujeição à força; decidir não estacionar em local proibido é obediência ao poder. Existe poder quando o ente sobre quem ele é aplicado tem a possibilidade de decidir sobre obediência ou desobediência. A força é instrumento, ferramenta, não é o próprio poder.

O detentor de toda força do mundo que não conquistar obediência será forte, não poderoso. Se uma tentativa de exercício de poder enfrentar resistência até a morte dos sujeitos passivos, não haverá poder, apenas força. Armas são potencializadoras da força. Força potente é conditio sine qua non nas situações de exercício competitivo do poder. Se todos tivessem exatamente a mesma força, não haveria exercício de poder, visto que a dissuasão recíproca levaria a resultado nulo.

Na sua instrumentalidade, a força pode ser dirigida a outros entes poderosos, que competem pelas oportunidades de exercício do poder, ou a subordinados. A potencialidade da força induz à obediência, mantendo a disciplina. Quanto maior a disciplina, menor a resistência e, por via de consequência, a entropia, a dispersão do poder ao longo dos dutos hierárquicos. Se existisse a superobediência, não haveria indisciplina. Porém, desobedecer é da condição humana. O problema é encontrar o ponto de equilíbrio. Aliás, como em qualquer atividade humana.

A disciplina é imprescindível às Forças Armadas. Na sociedade civil, doses não destrutivas de desobediência são necessárias para assegurar que a dialética da democracia se mantenha hígida. Exércitos, em democracias, devem ser intensamente disciplinados. À balbúrdia quase caótica do ambiente civil nas democracias deve corresponder dose inversamente proporcional de silêncio obsequioso, formal, organizado, nas Armas.

Essa calma é uma das grandes conquistas do Brasil. O resto dos problemas a gente resolve nas eleições e nos tribunais.

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