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| Foto: Arte: Felipe Lima

Sonhamos com o retorno de Ulisses, imaginando o dia em que nosso parlamento volte a ser habitado por pessoas de estatura moral simétrica à grandeza do Brasil. Enquanto tecemos fios de esperança, somos cortejados por pretensiosos políticos que desejam ocupar o vazio de representação que amarga a alma dos brasileiros. Contudo, os gigantes não voltarão ao plenário enquanto as regras do relacionamento com o Executivo fizerem do Congresso Nacional um mercado de apoios prêt-à-porter.

A Constituição obesa padece de progéria (envelhecimento acelerado) e os votos para reformá-la custam muito caro à nação. Como lipoaspirar a Constituição? Os parlamentares atuais se beneficiam da situação e não a modificarão de forma a acabar com a causa do problema: texto analítico que exige reformas contínuas para se manter adequado ao momento em que se vive.

Quem convocaria assembleia constituinte? Se convocada, quem participaria, em que condição emocional? Os malefícios da Constituição analítica atual não justificam os riscos à estabilidade que a tensão de uma assembleia constituinte pode provocar.

A Constituição obesa padece de progéria (envelhecimento acelerado) e os votos para reformá-la custam muito caro à nação. Como lipoaspirar a Constituição?

Penso, a solução deve vir paulatinamente por via das instituições existentes, sendo necessário apenas criar mecanismo que possibilite ao Judiciário, no exercício ordinário de seu mister, dizer que alguma norma do texto da atual Constituição, questionada em processo comum, não é constitutiva. Significa afirmar que a norma discutida é apenas formalmente parte da Constituição, mas não é da essência constitutiva do corpo político. O emagrecimento seria feito aos poucos, a partir de tecitura judicial sobre o texto vigente.

Na causa específica em que houvesse o incidente de não essencialidade, a lide seria decidida aplicando-se norma definida por meio dos outros critérios de solução de antinomia, excluído o hierárquico. Quando transitada em julgado a decisão que julgou que essa ou aquela norma da Constituição não é essencial, ela passaria a ser tratada como lei ordinária.

Os efeitos erga omnes ou inter partes para a declaração da não essencialidade seriam regulados pelas centenárias regras do controle difuso da constitucionalidade. Diga-se, o mecanismo ora imaginado de lege ferenda faz sentido na via difusa do controle da constitucionalidade. Na via concentrada há pobreza hermenêutica e déficit democrático.

Se em algum processo houver o incidente de não essencialidade, o Ministério Público e a Advocacia Pública devem participar nesse tópico. Também deve haver abertura para os interessados em geral discutirem o tema. Tudo conforme a assentada urbanidade forense.

Far-se-ia processo constituinte ao modo inglês, sem a realização de assembleia, cinzelando-se as normas constitucionais a partir de decisões judiciais em casos concretos. Lentamente as normas não essenciais seriam retiradas da Constituição e os futuros governos não se veriam às voltas com reformas do texto para conduzir a rotina administrativa, e não se veriam premidos a ter larga maioria no parlamento.

E a atuação do Judiciário não provocaria a sensação de perda de poder do parlamento porque o tempo para a conversão do texto constitucional de analítico para sintético seria tão longo quanto a paciente odisseia de Ulisses para reencontrar Penélope.

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