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Não consigo parar de pensar na imagem do copiloto trancado na cabine do avião. Posso ver a sua testa porejando, as mãos ligeiramente trêmulas sobre o manche, a escuridão lá fora e dentro do seu espírito. Posso ouvir os gritos do piloto, as batidas cada vez mais desesperadas na porta, o sinal angustiante do alarme, o pânico dos passageiros e dos comissários no minuto final.

Copilotos ficam sempre em segundo plano. Nunca se imagina que possam vir a ser heróis, muito menos se pensa na possibilidade de que venham a ser vilões. Sabia o que estava fazendo, o copiloto? Tudo, até agora, indica que sim. Posso ouvir a sua respiração, que logo será interrompida por um estrondo.

Digamos que o copiloto tenha se arrependido um minuto depois de travar a porta da cabine. Imagino que ele tenha cogitado abrir a porta, digitando o código secreto. Mas, então, o que ocorreria? Provavelmente seria preso e teria a carreira arruinada. À desonra, preferiu morrer – levando mais 149 pessoas. Inclusive dois bebês. Inclusive três gerações de uma família. Inclusive 11 estudantes de uma mesma escola. Inclusive, inclusive, inclusive. Eu não consigo parar de pensar neste inclusive.

E pensei nos voos da morte, quando os torturadores argentinos lançavam prisioneiros em alto mar. O que se passava na mente dos que voavam sem asas para o túmulo-oceano? O que pensavam os responsáveis por semelhante crime? Numa tarde de execuções, Pol Pot mandava centenas de pessoas para a morte. O que se passava na mente do ditador revolucionário? Como os responsáveis por Katyn, por Auschwitz, por La Cabaña podiam dormir à noite, ao passo que uma simples conta atrasada tira o sono de um cidadão comum?

Pensei nos voos da morte, quando os torturadores argentinos lançavam prisioneiros em alto mar. O que se passava na mente dos que voavam sem asas para o túmulo-oceano? O que pensavam os responsáveis por semelhante crime?

Solipsismo é a doutrina pela qual o Eu se torna a única realidade do universo. Quando a mente humana se deixa levar por esse autoengano colossal, coisas terríveis podem acontecer.

O mais perturbador, neste voo solipsista, é que a solidão do copiloto na cabine parece a metáfora perfeita para muitas situações ao longo da história da humanidade. O rapaz de 28 anos voando de encontro aos Alpes faz lembrar o isolamento de certos governantes em seus gabinetes. O poder tem essa perversa característica de isolar, iludir e até enlouquecer aqueles que o exercem. Há inúmeros exemplos de reis e presidentes que se fecharam para a realidade conduzindo seus países e a si mesmos para o abismo, a ruína completa. Espero que isso não aconteça com o Brasil. Há um país que bate à porta. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

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