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 | Hernán Piñera/Flickr/Reprodução/
| Foto: Hernán Piñera/Flickr/Reprodução/

A Argentina tem se revelado incapaz de viver um período longo de estabilidade econômica casada com crescimento. Tendo sido uma das nações mais desenvolvidas do mundo na primeira metade do século 20 e com renda per capita maior que o Canadá e os Estados Unidos nos anos 1950, o país vizinho vive há 60 anos alternando períodos longos de crise e períodos curtos de prosperidade, e vem caminhando para se tornar uma das poucas experiências na história mundial de nação que, embora rica de recursos naturais, conseguiu atingir a riqueza e, em poucas décadas, retornar à pobreza.

Há várias interpretações para a trajetória de crise e empobrecimento da Argentina, e uma versão é que o país alternou a democracia política com períodos de ditadura e, no geral, vem acumulando maus governos sempre com políticas econômicas instáveis, que nunca se consolidam. Qualquer que seja o modelo econômico escolhido, os governos argentinos têm o hábito de não consolidar as medidas e ir até o fim com o modelo adotado. O país vive recomeçando e criando aquela situação mais indesejada pelos investidores e por aqueles que produzem: a certeza de que a qualquer momento as regras vigentes não valerão mais e serão mudadas, fazendo que o medo e a indisposição para investir sejam a tônica do setor privado e dos investidores em geral.

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Com poucas exceções, os governos argentinos têm sido marcados por duas características recorrentes: de um lado, são populistas, estatizantes, hostis ao capitalismo privado, descuidados com o equilíbrio fiscal, criadores de déficits e endividamento público; de outro lado, beiram à xenofobia, fechados para o investimento estrangeiro, amantes de calotes de dívidas externas e isolacionistas em termos de economia internacional, figurino esse muito parecido com os modelos adotados pelos partidos esquerdistas da América Latina. Atualmente, após ter eleito como presidente da República um empresário supostamente adepto da economia de mercado, a Argentina, pressionada pela instabilidade do dólar, volta ao figurino passado marcado por déficit fiscal, fuga de capitais, aumento da inflação e crise cambial.

Nos últimos 60 anos, a América Latina tornou-se o maior laboratório mundial de experiências heterodoxas em economia

A inflação em 12 meses já atinge 25%, a previsão para este ano é um déficit fiscal de 3,2% (o governo afirma que reduzirá para 2,7%), a taxa de juros foi elevada de 27,5% para 40% e a desvalorização da moeda nacional passou de 20% nos últimos seis meses. A crise fez o presidente Maurício Macri ceder à realidade e ir à televisão anunciar que está pedindo empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no valor de US$ 30 bilhões, sob a justificativa de que a crise deriva de um “desastre nas contas públicas” deixado pelo governo anterior e que a política de combate gradual agora adotada equilibrou a situação, mas sem forças para livrar o país da dependência de empréstimos estrangeiros.

O FMI já havia alertado para a gravidade da crise fiscal e o tamanho do déficit público e afirmou que o presidente Macri estava cometendo um erro com sua decisão de não combater de forma radical o desequilíbrio das contas públicas. Ao tentar um caminho suave, por meio de um ajuste gradual das contas, o governo argentino estaria apenas postergando a tragédia, que terminaria em inflação alta, falta de dólares, explosão dos juros internos e fuga de capitais, e esse quadro levaria o governo a recorrer a empréstimos internacionais e tomar medidas mais duras do que se tivesse feito um forte ajuste já em 2016, primeiro ano do mandato. O FMI provou o acerto de suas previsões, sobretudo porque a Argentina é um dos países mais dolarizados do mundo, fruto de anos e anos de confiscos, calotes em dívida pública, estatização e todo tipo de agressão ao setor privados, aos capitais privados e aos poupadores nacionais.

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Nos últimos 60 anos, a América Latina tornou-se o maior laboratório mundial de experiências heterodoxas em economia – em geral, baseadas em estatização, inchaço da máquina pública, intervenção, protecionismo comercial, agressão ao capital externo, calotes, confiscos e um elenco de medidas de inspiração socialista – e, uma a uma, todas provaram ser um desastre, cujo exemplo mais dramático é a Venezuela, com sua tragédia econômica, política e humanitária atual. A Argentina tinha as melhores condições para ser um dos países mais desenvolvidos do mundo – até porque já foi – e ser um modelo de como vencer a pobreza. Mas, mesmo quando elege um presidente oriundo do setor privado e com inspiração não socialista, o governo acaba sendo engolido pela cultura populista, recusa-se a fazer os duros ajustes e o resultado é, como sempre, mais uma grave crise financeira. Oxalá a sociedade argentina tire de mais essas dificuldades as lições da verdadeira mudança.

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