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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Antes do impeachment, as grandes manifestações de rua ocorridas em todo o Brasil – as maiores desde a redemocratização – tinham uma pauta mais ou menos unificada: o “fora, Dilma”, com a cassação da presidente, e a oposição ao lulopetismo. Com o objetivo alcançado, Dilma longe do Planalto e a derrota do PT nas eleições municipais de outubro de 2016, os movimentos de rua passaram a priorizar outras plataformas, muitas vezes desencontradas. Foi assim que, no fim de março, vários desses grupos voltaram às capitais brasileiras com pautas já não tão comuns assim – por exemplo, o Movimento Brasil Livre (MBL) incluiu em sua manifestação a revogação do Estatuto do Desarmamento, enquanto o Vem Pra Rua não adotou essa reivindicação.

Não nos cabe, neste momento, defender ou rejeitar as pautas específicas levantadas por cada grupo no último 26 de março. Mas consideramos que ainda há pelo menos um tema importante o suficiente para agregar todos os movimentos e que exige mobilização forte e constante: a defesa da Operação Lava Jato. Essa expressão, no entanto, é genérica e até certo ponto consensual: por mais que haja brasileiros “cansados” da Lava Jato, será difícil encontrar quem seja contrário a ela, a não ser pelos políticos corruptos e pelos defensores incondicionais de certas figuras que estão na mira da operação. Por que, então, ir à rua “em defesa da Lava Jato”, se a maioria já a apoia?

Ataques bastante específicos contra a Lava Jato estão sendo tramados nos corredores do Congresso Nacional

Acontece que a Lava Jato precisa ser defendida não em termos genéricos, e sim de alguns ataques bastante específicos que contra ela se tramam especialmente nos corredores do Congresso Nacional. A principal ameaça que se levanta, neste momento, é o PLS 280/2016, o projeto de lei que, sob a alegação de combater o abuso de autoridade, na prática cria uma mordaça que paralisará o trabalho de juízes, promotores, procuradores e policiais, entre outras autoridades. O projeto, que tramita no Senado, tem brechas até mesmo para criminalizar interpretações legais dadas por agentes públicos no momento de denunciar ou julgar suspeitos de cometer crimes, ou tratar como abuso de autoridade procedimentos usados na Lava Jato, como a condução coercitiva.

Além disso, o texto traz expressões vagas que permitirão a perseguição a juízes, promotores ou procuradores que ousarem incomodar figurões. A presença de ambiguidades foi até mesmo defendida pelo relator do projeto no Senado, o paranaense Roberto Requião, que em seu substitutivo também não fez nenhuma diferenciação entre dolo e culpa, ou seja, entre ações com a intenção explícita de humilhar suspeitos e atos em que o agente público erra por ter uma interpretação diversa da lei, mas sem a intenção de constranger.

Também preocupa a tramitação do que um dia foi o projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção, desfigurado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado. Ele também contém trechos destinados a punir “abusos de autoridade”, em termos até mais surreais que o PLS 280 (como a punição para agente “patentemente desidioso”, ou seja, preguiçoso), além da já famosa tentativa de anistiar o caixa dois por meio de um engenhoso artifício: defini-lo como tipo penal para depois alegar que, como a lei não pode retroagir para prejudicar réus, quem tenha feito caixa dois antes da aprovação da lei não poderia responder por isso. O raciocínio ignora que a prática de caixa dois já é crime, previsto no Código Eleitoral, ainda que de maneira mais vaga. Por isso há quem deseje incluir no projeto de lei uma anistia explícita. Na terça-feira, dia 4, os deputados decidiram tirar o assunto do projeto de lei da reforma política alegando que o Senado se encarregará do tema quando votar as Dez Medidas.

A palavra de ordem, portanto, deixa de ser um genérico “em defesa da Lava Jato” para se tornar o “contra o PLS 280”, “contra a anistia ao caixa dois”, “contra a desfiguração das Dez Medidas Contra a Corrupção”. São pautas bem mais específicas, que têm um bom precedente: a PEC 37, que tiraria o poder de investigação do Ministério Público, naufragou depois das grandes manifestações de 2013. Os outros temas podem esperar: urgente é a mobilização unificada e firme em prol da Lava Jato, guiada pelo velho princípio segundo o qual a melhor defesa é o ataque – aqui, o ataque aos projetos e às manobras que desejam anular todo o esforço feito para combater a corrupção no Brasil.

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