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“Onde chega no nosso conhecimento, isso é caixa dois.” O marqueteiro João Santana, que coordenou as campanhas presidenciais de Lula em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014, demorou, mas confirmou ao juiz Sergio Moro que houve recursos não declarados irrigando a campanha de 2010. “Foi caixa dois mesmo, Excelência”, disse a mulher de Santana, Mônica Moura, também em depoimento. Uma confissão explosiva, que pode não ter nenhum efeito prático ou legal para resolver a atual crise política envolvendo o afastamento e a possível cassação de Dilma, mas que ajuda a tirar o véu sobre o modus operandi petista.

No depoimento, Santana e Mônica contaram que, após a vitoriosa campanha de 2010, sua agência ainda tinha R$ 10 milhões a receber do PT. Após dois anos de insistência dos publicitários, o então tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, recomendou que o casal procurasse Zwi Skornicki, doleiro e empresário. Foi Skornicki quem começou a saldar a dívida, de forma parcelada. Santana e Mônica já tinham recebido R$ 4,5 milhões por meio de uma offshore quando os pagamentos foram interrompidos graças ao avanço da Operação Lava Jato. Eles disseram a Moro não saber qual era a origem do dinheiro, mas o próprio Skornicki – que representava as empresas Sete Brasil e Keppel Fels – já havia dito a Moro que os recursos vinham de propina paga nos contratos entre suas representadas e a Petrobras.

Mais que marqueteiro de campanha, João Santana era um conselheiro próximo de Dilma

Como a confissão dos marqueteiros se refere à campanha presidencial de 2010, ela não tem influência nenhuma sobre os processos existentes contra a chapa Dilma-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral – seria muito diferente se as afirmações de Santana e Mônica tratassem da campanha de 2014. A ligação entre caixa dois e propina também não é o que está em jogo no processo de impeachment de Dilma Rousseff em análise no Senado, mas não deixa de complicar a vida dos defensores da presidente afastada.

Dilma reagiu no Twitter e em entrevista a uma rádio de Pernambuco, afirmando que não tinha conhecimento de nada, que não autorizou nada. Até aí, sem surpresa – ninguém em sã consciência esperaria que a presidente afastada, formada na escola de Lula, aquele que “não sabia” do mensalão, dissesse algo diferente. Mas João Santana não é um soldado qualquer das hostes dilmistas. Mais que seu marqueteiro de campanha, ele era um conselheiro próximo da presidente. Em situações complicadas, era a ele que Dilma recorria, em certas ocasiões até mais que a seus ministros. Essa relação era tão importante que, quando foram presos, em fevereiro deste ano, Santana e Mônica mentiram à Polícia Federal para preservar Dilma, que começava a enfrentar o processo de impeachment. “Eu, que ajudei, de certa maneira, a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a Presidência, trazer um problema”, disse Santana a Moro. O marqueteiro esteve no centro do poder petista, não nas suas franjas; o que ele diz tem peso e merece atenção.

Durante seu depoimento, Santana e Mônica até tentaram relativizar, afirmando que o caixa dois é prática ampla, geral e irrestrita, mas que apenas eles estavam pagando por isso. De fato, irregularidades precisam ser coibidas onde estiverem, mas não há como acusar a Lava Jato de seletividade – afinal, a operação tem seu escopo definido: a roubalheira na Petrobras. E é essa ligação com a estatal que torna singular o caixa dois petista e reforça a noção de que o petismo, nesses 14 anos, efetivamente transformou o Estado em mero apêndice partidário.

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