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A figura do engavetador-geral, tão lembrada na última campanha de Dilma Rousseff como símbolo da impunidade durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi ressuscitada. Agora, em vez de Geraldo Brindeiro, ele passou a se chamar Rodrigo Janot, o procurador-geral da República que acha desnecessário investigar as contas de campanha da presidente eleita, apesar das irregularidades apontadas pelo ministro Gilmar Mendes no exercício da função de relator da prestação de contas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Mendes detectou, por exemplo, que R$ 23 milhões foram pagos pela campanha petista à VTPB, uma gráfica de fachada ou, para dizer o mínimo, aparentemente sem estrutura tecnológica e industrial para prestar os serviços nos montantes indicados pelas notas fiscais apresentadas à Justiça Eleitoral. O ministro nada mais fez que pedir a Janot – que, na qualidade de chefe do Ministério Público Federal, também tem a função de procurador-geral Eleitoral – para investigar o caso, procedimento absolutamente normal quando há suspeitas que o justifiquem.

Para Janot, o importante é que os eleitos usufruam as prerrogativas dos cargos e que se joguem para baixo do tapete as eventuais suspeitas

O MPF, sob o comando de Janot, poderia, após a apuração dos fatos, concluir que as suspeitas eram infundadas. O arquivo seria, então, o destino natural das não confirmadas fraudes, inocentando os supostos autores e isentando a presidente Dilma Rousseff, bem como sua campanha, de quaisquer irregularidades. Janot, no entanto, preferiu seguir outro caminho, bem mais cômodo, dispensando desde logo os prolegômenos de natureza jurídica. Disse ele, ao determinar o arquivamento do pedido de investigação feito por Gilmar Mendes: “Não interessa à sociedade que as controvérsias sobre a eleição se perpetuem: os eleitos devem poder usufruir das prerrogativas de seus cargos e do ônus que lhes sobrevêm. Os derrotados devem conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito”.

No caso, ao neoengavetador não há de se discutir se eram ou não criminosas as fontes de recursos que financiaram a vitória dos eleitos. O importante é que usufruam as prerrogativas dos cargos, que se joguem para baixo do tapete as eventuais suspeitas e que se lixem os derrotados. A estes, a partir de agora, apenas compete se prepararem para a próxima eleição, previamente perdoados se vierem a cometer as mesmas irregularidades e conseguirem a diplomação antes que elas sejam conhecidas.

Outro argumento não jurídico é tão frágil e lamentável quanto o anterior: para Janot, não fica bem para a Justiça Eleitoral e para o Ministério Público Eleitoral se tornarem “protagonistas – exagerados – do espetáculo da democracia, para os quais a Constituição trouxe, como atores principais, os candidatos e os eleitores”. Diante disso, é justo perguntar: a alternativa para estas instituições seria, por acaso, a omissão?

Na argumentação do procurador-geral aparecem, é verdade, alguns laivos da legislação que regula o processo eleitoral. Um deles diz respeito à tempestividade da apresentação das suspeitas. Segundo Janot, as contas já foram aprovadas em dezembro e o prazo para recursos se encerrou, impedindo agora qualquer questionamento. Mas foi além ao fazer um pré-julgamento: ele entendeu não haver indícios mínimos da prática de crimes que justifiquem a abertura de uma apuração.

A atitude do procurador Rodrigo Janot mancha sua biografia. Ao lado do juiz federal Sérgio Moro, condutor da Operação Lava Jato, vinha tendo uma elogiável atuação na apuração dos desvios na Petrobras (e por isso a Gazeta do Povo apoiou sua permanência no cargo). Políticos poderosos e grandes empreiteiros envolvidos na corrupção não lhe davam medo – mas, agora, contraditoriamente, apesar dos indícios de que a campanha petista tenha sido maculada por recursos oriundos de propinas da mesma fonte, ele dá sinais de inconcebível acovardamento.

Após a engavetada, o TSE voltou a se pronunciar. Gilmar Mendes novamente pediu que o MPF investigue a denúncia que envolve a gráfica VTPB. Desta vez, a solicitação foi reforçada por outros três ministros: Henrique Neves, João Otávio de Noronha e, por incrível que pareça, Dias Toffoli, ex-advogado do PT e atual presidente da corte eleitoral. Os ministros rebateram vários dos argumentos de Janot. “Os agentes devem enfiar a cabeça na terra como se fossem avestruz para que os ilícitos não sejam vistos?”, questionou Mendes sobre a “atuação minimalista” defendida pelo procurador-geral. “O exercício dessa pacificação social que a Justiça Eleitoral traz é em razão da sua ação e não da sua não ação”, acrescentou Toffoli. Que desta vez o destino da solicitação não seja o chamado “arquivo morto”.

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