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| Foto: Saul Loeb/AFP

O livre comércio foi uma conquista civilizacional que levou alguns séculos, desde sua formulação teórica, para se transformar em realidade. Mesmo depois que o economista britânico Adam Smith estabeleceu a ligação entre prosperidade das nações e sua inserção no comércio internacional, a regra, em muitos países, continuou a ser o protecionismo exacerbado. É verdade que houve casos em que algumas nações forçaram outras a abrir-se – prática que atingiu especialmente os impérios do Extremo Oriente –, mas o abuso e o derramamento de sangue não invalidam a superioridade do livre comércio sobre o protecionismo nacionalista. Esta lição parecia aprendida em boa parte do mundo, especialmente no pós-Segunda Guerra Mundial, mas o presidente norte-americano, Donald Trump, parece disposto a colocar a perder essa conquista.

Em nome da revitalização da indústria norte-americana, Trump anunciou na semana passada uma taxação de 25% sobre as importações de aço e 10% sobre as importações de alumínio feitas pelos Estados Unidos. No domingo, o secretário de Comércio, Wilbur Ross, deu a entender que não haverá exceções à regra. Esta é a medida protecionista mais severa já adotada por Trump, que retirou os EUA do Tratado Transpacífico (TPP) em uma de suas primeiras medidas na Casa Branca e tem feito ataques ao Nafta, o acordo comercial que inclui Estados Unidos, Canadá e México.

A guerra comercial faz alguns pouquíssimos vencedores: aqueles que em condições normais pereceriam pela ineficiência

Verdade seja dita, Trump não está exatamente sendo um pioneiro do protecionismo em um mundo onde o livre comércio floresce sem obstáculos. A União Europeia, uma das primeiras a reagir ao anúncio norte-americano, é pródiga em práticas que protegem seus agricultores e distorcem o comércio internacional de alimentos – prejudicando várias nações emergentes, inclusive o Brasil. Mas nós também não podemos alegar inocência: o Brasil pode ser considerado uma nação bastante fechada em comparação com a média, e também recorre ao protecionismo com certa frequência. Em agosto do ano passado, a Organização Mundial do Comércio (OMC) considerou ilegais diversos programas de incentivo à indústria nacional. Exigências de conteúdo mínimo de origem nacional em certos setores também criam distorções. Outros países mantêm os preços de seus produtos artificialmente baixos interferindo no câmbio ou recorrendo a condições degradantes de trabalho – este, sim, um caso que justificaria algum tipo de restrição, assim como as barreiras sanitárias aplicadas com critérios objetivos, e não como disfarce para protecionismo. Mas os Estados Unidos são o país líder em comércio exterior, ao qual deve, inclusive, boa parte de sua grandeza atual. Por isso, quando são os norte-americanos a entrar com força na guerra comercial, o mundo inteiro tem razões para temer.

Só Trump parece tratar o tema com ligeireza, tuitando que “guerras comerciais são boas e fáceis de vencer”. Mas quem vence, afinal? Um país inteiro, ou apenas determinados setores com mais influência no governo? Protecionismo gera mais protecionismo, e as retaliações não demoram a vir – a União Europeia está disposta a jogar duro, e Trump respondeu ameaçando taxar a importação de veículos europeus. Esta aplicação mais recente do “America First” de Trump pode ajudar as siderúrgicas americanas e seus empregados, mas não considera, por exemplo, os empresários americanos que pagarão mais caro pelo aço de que precisarão em suas obras (e que repassarão esse preço a seus clientes ou terão de cortar custos, incluindo postos de trabalho); nem os exportadores americanos que podem sofrer caso seus produtos sejam alvo de retaliações; nem os consumidores americanos que pagarão mais caro por itens importados ou perderão o acesso a eles, tendo de se contentar com equivalentes nacionais que nem sempre terão a mesma qualidade.

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Essa guinada para o protecionismo nacionalista é um verdadeiro atraso porque gera uma reação em cadeia que ameaça todo o sistema de comércio internacional, construído a muito custo e que trouxe prosperidade aos países que souberam se abrir, exportando o que têm de melhor e importando o que as outras nações sabem fazer melhor. A guerra comercial faz alguns pouquíssimos vencedores: aqueles que em condições normais pereceriam pela ineficiência. Enquanto isso, todos os demais perdem.

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