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Em dezembro do ano passado, o governo federal conseguiu do Congresso Nacional uma vergonhosa anistia fiscal. Incapaz de cumprir a meta de superávit primário para o ano, no apagar das luzes de 2014 o Planalto enviou um projeto para mudar a lei orçamentária, fiel ao princípio de que, se o gestor público não é capaz de cumprir a lei, mude-se a lei, e não o comportamento. Havia muito em jogo: o descumprimento da lei orçamentária, se considerado crime de responsabilidade, poderia levar até ao impeachment do chefe do Poder Executivo. Dilma Rousseff sabia disso – tanto que, antes da votação decisiva no Congresso, resolveu afagar deputados e senadores com uma generosa liberação de verbas de emendas parlamentares, desde que eles aprovassem a manobra fiscal. A chantagem por decreto funcionou, mas, na ocasião, o governo foi submetido a duras críticas, especialmente do PSDB.

Sendo assim, é surpreendente ver o governador Beto Richa usando o mesmíssimo expediente em relação às contas estaduais. A manobra consta do pacote de ajuste fiscal que foi reenviado à Assembleia Legislativa depois de uma versão inicial ter sido retirada, no meio dos episódios de invasões do plenário do Legislativo estadual. Trata-se de um labirinto legal que começa no artigo 48 do projeto de lei: ele diz que “fica reduzida em até R$ 3,5 bilhões a meta III (...) da Tabela 5 do Anexo I” da LDO. Esse emaranhado de referências nada mais é que a descrição do superávit primário do estado para os anos de 2013 a 2016. Para o ano passado, a LDO previa superávit primário de R$ 2,34 bilhões, ou 0,75% do PIB. O resultado real passou bem longe disso: houve déficit primário de R$ 934 milhões. Com a mudança proposta no projeto do Executivo, o governo poderia ter tido déficit de até R$ 1,16 bilhão e ainda assim estaria cumprindo a lei.

A mudança pode até não gerar prejuízo financeiro, mas gera prejuízo moral, ao tratar a lei orçamentária como peça de ficção que pode ser emendada sempre que o Poder Executivo assim o decidir, caso se mostre incapaz de cumpri-la

Mas, se o truque é basicamente o mesmo – embora, no caso paranaense, seja mais direto, enquanto no caso federal ainda havia uma “contabilidade criativa” com os investimentos do PAC –, há uma diferença relevante entre os dois casos: enquanto Dilma buscou e conseguiu sua anistia ainda em 2014, ou seja, com o jogo ainda em andamento, Richa pede o perdão fiscal já depois do apito final. Não se trata de graus diferentes de imoralidade – ambos os casos são igualmente graves –, mas de dar margem a questionamentos jurídicos que Dilma não precisou enfrentar por ter conseguido seu objetivo antes do encerramento do ano em que a meta vinha sendo descumprida. Existe, por exemplo, a possibilidade de o Tribunal de Contas do Estado recomendar a rejeição das contas de 2014 do governo paranaense.

A bancada governista na Assembleia passou a usar o mesmo discurso que a oposição no Congresso Nacional criticava na base aliada de Dilma Rousseff. “Trata-se apenas de uma formalidade necessária, que não gera nenhum prejuízo ao estado”, argumentou Luiz Claudio Romanelli, líder do governo. Pode até não gerar prejuízo financeiro, mas gera prejuízo moral, ao tratar a lei orçamentária como peça de ficção que pode ser emendada sempre que o Poder Executivo assim o decidir, caso se mostre incapaz de cumpri-la. Mas também é preciso dizer que a oposição a Richa não age de forma muito diferente. “O governo quer ludibriar os órgãos de fiscalização e a Lei de Responsabilidade Fiscal para não correr o risco de ter suas contas rejeitadas”, afirmou o deputado petista Tadeu Veneri, reprovando agora o comportamento que seus colegas de partido defenderam ardorosamente nas bancadas do Senado e da Câmara.

Ao tomar emprestada do governo federal a prática de mudar a lei orçamentária para não ter de enfrentar as consequências do desrespeito à legislação, o Executivo estadual se apequena. Ao tratar como pouca coisa a alteração proposta pelo Palácio Iguaçu, a bancada governista na Assembleia desrespeita a inteligência do cidadão. Ao criticar veementemente a manobra fiscal de Beto Richa, a oposição faz pouco da memória do eleitor, que acabou de presenciar espetáculo semelhante no Congresso Nacional. Chega a ser inacreditável que as forças políticas do estado e do país só saibam imitar umas às outras no que fazem de pior.

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