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| Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

No Brasil, o voto é obrigatório, mas ao eleitor é facultado o direito de fazer a escolha que quiser, seja entre os candidatos, seja optando por votar em branco ou anular. Se o voto é um dever previsto em lei e desobedecê-lo acarreta punições, indiscutível, legítimo e legal é também o direito dado ao eleitor de preferir o que se tem chamado de “não voto”, isto é, a decisão de não aceitar nenhum dos nomes e preferir – não importa a causa – justificar a ausência ou registrar seu descontentamento utilizando-se das possibilidades presentes na própria urna eletrônica: o branco e o nulo.

No segundo turno das eleições municipais, realizadas em 57 cidades brasileiras no último domingo de outubro, repetiu-se a incontestável realidade de que há uma multidão de eleitores insatisfeita com “o que aí está”. Desta vez, mais de um quinto dos cidadãos aptos a votar não escolheu nenhum candidato, somando-se aos nulos e brancos também os que simplesmente se abstiveram, procurando um local de votação fora de seu domicílio eleitoral para preencher um formulário de justificativa. No dia 30, o “não voto” em Curitiba superou a votação de Ney Leprevost (PSD) e, no Rio de Janeiro, bateu até mesmo o vencedor, Marcelo Crivella (PRB).

Ninguém está à procura de um salvador da pátria; o que se quer é alguém com estatura moral

Realmente merecedor de atenção, no entanto, foi o “não voto” no primeiro turno, quando o leque de candidatos à disposição do eleitor é maior. Novamente o Rio de Janeiro é caso exemplar, pois as opções iam da extrema-esquerda à extrema-direita, com diversas opções intermediárias. Mesmo assim, no dia 2 de outubro 42% dos cariocas não escolheram ninguém, quase igualando a soma das votações obtidas naquele dia por Crivella e Marcelo Freixo (PSol). Em Curitiba, o “não voto” do primeiro turno chegou a 30% – mais, portanto, que os 27% de Rafael Greca (PMN). E, em São Paulo, a soma de brancos, nulos e abstenções bateu João Dória (PSDB), autor da proeza de se eleger já no primeiro turno na mais importante e populosa capital da América do Sul.

O fenômeno é demonstrativo também do crescimento da disposição de grande parte da coletividade de não aceitar a opinião corrente de que é “feio” deixar de escolher um candidato. Persiste, ainda, uma noção enganosa de que, no mínimo, o eleitor estaria obrigado a optar pelo “menos pior”. Candidatos derrotados e seus apoiadores demonizam o voto branco, nulo ou a abstenção argumentando que eles ajudaram a eleger o adversário. Isso é ignorar que o eleitor tem todo o direito de repudiar tanto os candidatos a ponto de não considerar nenhum deles digno de seu voto, nem mesmo como “mal menor”. Eleição nada tem a ver com “escolha de Sofia”.

Se mesmo no primeiro turno, quando há mais opções, parte expressiva do eleitorado não está escolhendo ninguém, temos um sinal evidente de um profundo desânimo em localizar quem mereça confiança, admiração e voto. Ninguém está à procura de um salvador da pátria; o que se quer é alguém com estatura moral, currículo sem mancha, competência administrativa. Não se trata apenas do “cansaço com os mesmos”, pois o “novo” acabará igualmente rejeitado se não cumprir esses requisitos.

Não gostaríamos de acreditar que não haja ninguém com esse perfil dentro dos partidos. Mas eles terão, sim, de olhar para dentro e, se for o caso, inclusive rever os processos pelos quais consagram os candidatos que apresentarão ao eleitorado. Tarefa também para o Congresso, a quem compete promover uma reforma político-eleitoral que favoreça o surgimento de novas e melhores lideranças. O desafio está lançado para 2018.

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