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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A quebradeira que militantes pertencentes a sindicatos de policiais fizeram na terça-feira no Congresso Nacional dá bem uma mostra do clima tenso criado pela proposta de reforma – melhor seria dizer “salvação” – da Previdência, patrocinada pelo governo Temer. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), apresentado na quarta-feira, mostrou como o governo cedeu em diversos pontos, alguns dos quais pertencentes ao âmago da proposta. As pressões vieram de todo lado, com mais ou menos virulência.

Para amenizar as resistências, Maia fixou em 62 anos a idade mínima para a aposentadoria das mulheres, mantendo os 65 para a dos homens. Ao mesmo tempo, após acordo firmado com o presidente Temer, o relator propõe, em seu parecer, eliminar o dispositivo que estabelecia aumento automático da idade mínima a cada vez que subisse a expectativa do brasileiro. Agora, esta variação deverá ser estabelecida em lei após aprovação de lei específica no Congresso.

Se nada for feito, ou se a reforma ficar aquém do necessário, aí, sim, talvez o slogan de “trabalhar até morrer” faça sentido

Mudou também a regra para conseguir a totalidade do benefício a que se tem direito, seja pela média dos salários, seja pelo teto do INSS no caso dos trabalhadores que contribuem nesse patamar: em vez de serem necessários 49 anos de contribuição, como dizia a proposta original, bastarão 40 anos. No entanto, a regra pela qual o cálculo do benefício inclui todos os salários recebidos desde 1994 tende a prejudicar quem entrou no mercado de trabalho depois disso, pois os salários iniciais, mais baixos, entram na conta. Esse dispositivo já estava na proposta original e foi mantido – na regra atual, o valor da aposentadoria é a média dos 80% maiores salários.

Desde o início era certo que a oposição, às vezes com extremo radicalismo e altas doses de irracionalidade, lutaria para que nada mudasse no falido sistema previdenciário. Grupos que hoje têm regras especiais, normalmente mais benéficas, para a aposentadoria pressionariam para mantê-las. E não poucos políticos da base aliada tentariam jogar para a plateia, arrancando concessões populistas para exibir aos eleitores. A questão é: até que ponto as concessões desfiguram a reforma? A diminuição dos rigores inicialmente previstos corresponde a uma margem de “gordura” propositalmente prevista no texto original ou o relatório já está cortando na carne?

O ministro Henrique Meirelles estima em 20% a 30% a perda com as alterações, mas analistas afirmam que o estrago é maior e pode chegar a 60% da economia inicialmente prevista. Neste caso, dentro de mais alguns poucos anos estaremos diante da necessidade de enfrentar nova reforma. É o alerta feito pelo deputado paranaense Reinhold Stephanes, que, com a experiência acumulada pelos cargos de presidente do Inamps (atual INSS) e ministro da Previdência, reconheceu “absurdos” na proposta original, mas afirmou a necessidade de mudanças significativas: “Se não se fizer agora, daqui a dois anos teremos a mesma discussão. É melhor enfrentar isso de vez. Custa menos que continuar adiando”.

Em um sistema em que os trabalhadores atuais bancam os benefícios dos aposentados de hoje, natalidade menor e longevidade maior são caminho certo para a insolvência – fenômeno que já experimentaram países europeus que retardaram mudanças necessárias e por isso enfrentaram (e ainda enfrentam) graves crises fiscais e sociais, dado o peso dos seus sistemas previdenciários sobre as finanças públicas.

Como não se pensa em instituir um modelo de capitalização na Previdência brasileira, a reforma trata de garantir amanhã a aposentadoria de quem está trabalhando hoje – eis o tamanho da responsabilidade dos parlamentares na hora de votar a reforma. Se nada for feito, ou se a reforma ficar aquém do necessário, aí, sim, talvez o slogan de “trabalhar até morrer” faça sentido diante de um sistema quebrado e que condenará gerações futuras a não usufruir de benefícios minimamente suficientes para uma sobrevivência digna na velhice.

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