• Carregando...

Deu na Gazeta do Povo. O número de assaltos em Curitiba cresceu mais de 50% no primeiro trimestre deste ano em comparação com o primeiro trimestre de 2014. Ainda que os índices tenham diminuído em algumas localidades – como o Parolin e o Prado Velho –, houve crescimento considerável em áreas como o Bacacheri, São Lourenço, Abranches e Jardim Social. Em locais como o Centro Cívico, por exemplo, o crescimento foi de 62,5%. Ao todo, em janeiro, fevereiro e março houve 7.419 roubos, algo como 81 casos por dia.

A esses dados se some a constatação de que roubos e furtos cada vez mais escapam não apenas ao controle, mas ao interesse das forças de segurança pública. Os esforços da polícia são no sentido de coibir o tráfico de drogas e os homicídios, “jogando para a geral” os casos de casas arrombadas, por exemplo. Resta à população recorrer à segurança privada, aos muros altos e às câmeras. Basta reparar em quantas das 6 mil moradias do chamado Parolin de Cima estão abastecidas das cercas alugadas – um senhor filão de economia. E de inibição comunitária.

A questão é menos instantânea do que parece. Reações ligadas ao encastelamento da população são tão ou piores que o próprio roubo, pois afetam o oxigênio de uma cidade – o uso da rua e a consequente relação de vizinhança e o abandono de determinados segmentos do comércio. São aspectos que não podem escapar ao poder público, às forças de segurança e à sociedade organizada: os efeitos do medo da violência corroem a economia e as relações humanas, colocando em risco a vida democrática.

Cidades inseguras passam a sensação de que erramos, de que mergulhamos numa corrosão endêmica

Faz mal às políticas de segurança pública ignorar determinadas camadas de violência, por tomá-las como desimportantes. O medo não se constrói apenas em torno de grandes eventos. Desenha-se, igualmente, nas situações hodiernas. Há uma década e meia o projeto de gestão pública conhecido como “Tolerância Zero”, desenvolvido nos EUA, chamou atenção para o “sistema” de insegurança. Ele não é isolado: funciona como um organismo, afeta todas as relações sociais. Altera, para pior, o urbano.

Por mais reservas que possa haver à política de “Tolerância Zero” assinada pelo ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani em meados da década de 90, é inegável que a parede pichada, o patrimônio destruído, o desacato às regras de civilidade corroem as relações urbanas e minam as energias da população, uma energia da qual ela precisa para reagir a formas mais sofisticadas de violência. Fazer pouco caso do furto, do assalto, deixando desguarnecido o cidadão – convidando-o a “se virar” –, não é em definitivo uma boa política.

Não se quer dizer com isso que devamos ser tutelados o tempo todo, de forma paternalista. A “ciência da violência” comprovou que a população alerta – justo a população que contribui para o êxito de programas como o “Tolerância Zero” – alcança mais sucesso que o armamentismo. A praça ocupada, o mutirão, a reivindicação popular por iluminação e controle do trânsito, entre outras tantas ações, colaboram para diluir a sociedade do medo que essa tensão gera. A parceria entre poder público e população, contudo, continua sendo a melhor medida, de modo a garantir o cuidado como medida de todas as coisas. Não se trata de um conselho clerical – a ideia do cuidar está no âmago da obra de Jane Jacobs, autora do seminal Morte e vida das grandes cidades, um clássico que entendeu as mudanças das cidades a partir da década de 1960.

Vale lembrar o que escreveu o historiador Tony Judt, morto em 2010, ao analisar o que ele chamava de sensação de fracasso coletivo, um dos males da contemporaneidade. Cidades inseguras passam a sensação de que erramos, de que mergulhamos numa corrosão endêmica, da qual não sairemos tão cedo. Ficamos com a impressão de que não sabemos fazer – e a impotência é o pior dos conselheiros. Uma política tecnocrática tende a não levar em conta esse sentimento de impossibilidade, cujos efeitos sobre a vida comum são nefastos. Estresses coletivos não colaboram para o espírito de construção e de pertença. Ao acreditar que “perdemos o mundo”, que o bem está no passado, tendemos a desistir do presente – instalando o caos.

“A falta de confiança é inimiga de uma sociedade bem governada”, escreveu Judt, quase que num testamento. E essa confiança se alcança, segundo ele, com cooperação e homogeneidade, numa sociedade que respeite a escala humana. Cidades desmedidas são candidatas à perda de controle. Já são horas de pensar qual o nosso tamanho, até onde queremos ir e o que temos em comum. Eis o princípio.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]