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Ao mesmo tempo em que o pedido de impeachment de Dilma Rousseff está em análise por uma comissão especial do Senado, uma proposta de emenda constitucional iniciou sua tramitação na mesma casa legislativa com uma ideia ainda mais radical. A PEC 20/2016 trata da realização de uma nova eleição presidencial em 2 de outubro, simultaneamente às eleições municipais, com posse do eleito em 1.º de janeiro de 2017, independentemente do desfecho de qualquer pedido de impeachment atual ou futuro contra Dilma. Senadores de vários partidos, inclusive do PT, apoiam a medida, vendida como a solução definitiva para a crise política que assola o país, mas que não passa de um casuísmo oportunista que tornaria instável o alicerce jurídico sobre o qual se assentam nossas instituições.

No fundo, a discussão em torno da PEC é um debate sobre a legitimidade de um eventual governo Michel Temer. Dilma e os petistas alegam que Temer quer se sentar na cadeira presidencial sem ter recebido voto algum. Ora, os 54.501.118 votos de Dilma também foram votos de Temer, colega de chapa que ela mesma escolheu e cujo retrato aparecia na urna eletrônica para quem apertava “13”. E vice-presidentes servem, entre outras coisas, exatamente para isso: assumir o governo caso o titular não possa mais exercê-lo, temporariamente ou permanentemente. Disso não há dúvidas – tanto que nunca ocorreu aos petistas que hoje questionam a legitimidade de Temer fazer a mesma observação quando Itamar Franco se tornou presidente no lugar de Fernando Collor, cujo impeachment foi apoiado pelo PT.

Se aceitamos a possibilidade de mudar a Constituição neste momento de crise para acomodar interesses, a segurança jurídica fica irremediavelmente abalada

Michel Temer tem, é verdade, uma diferença em relação a Itamar: seu nome aparece nas investigações da Lava Jato, o que poderia levar a uma situação em que o presidente da República seria réu por corrupção. Ora, se isso ocorrer, que se observe o trâmite normal para tais situações. A lei prevê o julgamento do presidente – pelo Congresso, em caso de crime de responsabilidade; ou pelo Supremo Tribunal Federal, em caso de crime comum. Se Temer for considerado culpado depois de assumir a Presidência, que seja cassado nos termos da lei atual.

E aqui é que começamos a ver por que a PEC 20/2016 é um casuísmo oportunista. A Constituição já prevê situações em que é preciso convocar novas eleições presidenciais: O artigo 81 afirma que, “vagando os cargos de presidente e vice-presidente da República, far-se-á eleição 90 dias depois de aberta a última vaga”, com uma ressalva prevista no parágrafo 1.º: se a vacância ocorrer nos dois últimos anos de mandato, a eleição é indireta. E a legislação também prevê em que circunstâncias pode se dar a vacância dos cargos de presidente e vice: impeachment, renúncia ou cassação da chapa na Justiça Eleitoral em caso de comprovação de irregularidades de campanha.

Então, uma eventual crise de legitimidade de Temer já tem como ser resolvida de forma que novas eleições sejam convocadas: ele poderia renunciar, ter seu mandato cassado por crime comum ou de responsabilidade, ou a chapa que formou com Dilma em 2014 poderia ser impugnada pela Justiça Eleitoral. As possibilidades de nova eleição já estão previstas pela lei; forçar o pleito com a PEC 20/2016 não passa de um irrealismo político, um jogo de cena criado para passar a ilusão de que se está resolvendo a crise política, mas que só serve para atender a interesses oportunistas: do PT, que teria a chance de lançar Lula como candidato enquanto ele ainda tem algum prestígio; ou dos que pretendem surfar na onda da desilusão popular com os políticos, caso de Marina Silva.

No vendaval ou na tempestade, são as âncoras e os alicerces sólidos que garantem nossa estabilidade. E o que une os brasileiros neste momento é a adesão firme à Constituição. Se aceitamos a possibilidade de mudá-la neste momento de crise para acomodar interesses, a segurança jurídica fica irremediavelmente abalada, pois quem nos garante que outras crises não trarão novas alterações oportunistas? Que a Constituição é imperfeita todos sabemos, mas eventuais mudanças devem ser deixadas para os momentos de calmaria, quando se pode discutir com serenidade, e não agora, com o país em polvorosa.

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