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 | Divulgação/Renata Caldeira/TJMG
| Foto: Divulgação/Renata Caldeira/TJMG

Na terça-feira, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu um habeas corpus coletivo para um grupo de mulheres que se encontram em prisão preventiva e estão grávidas ou são mães de crianças de até 12 anos de idade. Elas passarão para o regime de prisão domiciliar. Essa possibilidade já estava no artigo 318 do Código de Processo Penal, mas a mudança do regime de prisão dependia da decisão de cada juiz. Agora a transferência para a prisão domiciliar se torna obrigatória no caso das mulheres listadas no habeas corpus – se o STF editar uma súmula vinculante, então a decisão se estenderá a todas as mulheres que cumprirem as condições estipuladas pelos ministros.

A missão dos ministros era dificílima: encontrar um ponto de equilíbrio entre a salvaguarda da dignidade da criança – seja o recém-nascido ou aquele ainda por nascer – e a necessidade de não criar uma nova categoria de “inimputáveis” que inevitavelmente forneceriam nova mão de obra para o tráfico de drogas, que muitas vezes usa da coação pura e simples para recrutar a “linha de frente” de suas atividades.

O assunto era tão polêmico que a decisão não foi unânime – Edson Fachin divergiu não tanto no mérito da questão, mas do uso de um habeas corpus coletivo, preferindo a análise caso a caso – e, além disso, mesmo os ministros que votaram a favor do habeas corpus estabeleceram algumas condições: Ricardo Lewandowski, por exemplo, votou por não estender o benefício às detentas que praticaram crimes violentos ou que envolvem grave ameaça. O habeas corpus, também é bom lembrar, se aplica apenas a detentas que se encontram em prisão preventiva – as que já foram condenadas pela Justiça não se beneficiam.

O Supremo acertou no princípio, mas errou na dose ao preferir o habeas corpus coletivo

Parece-nos bastante evidente que a convivência com a mãe é importante para o desenvolvimento afetivo e psíquico da criança em seus primeiros anos de vida – seria preciso haver uma justificativa muito grave para que um bebê fosse privada desse contato. Nosso sistema prisional deveria contemplar instalações específicas onde as gestantes pudessem ser atendidas com todo o cuidado e onde as mães pudessem cuidar de seus bebês em condições dignas, contando com uma estrutura e profissionais especializados. No entanto, apenas um terço dos presídios femininos tem celas ou dormitórios adequados para gestantes ou berçário, e 5% deles têm creche, segundo dados do Infopen citados por Lewandowski durante o julgamento.

Assim, é evidente que, havendo a possibilidade de mãe e filho lactente, ou a gestante, permanecerem dentro do sistema prisional com boas condições para todos, essa deveria ser a escolha; no entanto, bem sabemos que tais instalações são exceção: a regra é a superlotação, a proliferação de doenças, em resumo, um ambiente totalmente incompatível com o desenrolar de uma gestação ou com a criação de um bebê. Nesses casos, sim, a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar se mostra a alternativa mais viável. Mas essa é uma decisão que só pode ser feita caso a caso, e aqui o ministro Fachin tinha razão. A análise individual permitiria, ainda, avaliar outras questões como o grau de periculosidade da detenta e a possibilidade de familiares assumirem o cuidado da criança (principalmente a que já passou do período de amamentação) durante o período de prisão preventiva. O risco, aqui, é o de que mulheres cuja situação recomende a prisão domiciliar não tenham quem atue por elas; entidades de direitos humanos e a Defensoria Pública precisarão estar atentas a essas situações.

Leia também: A ressocialização das detentas e a ineficácia da prisão (artigo de Andrea Simone Frias, publicado em 16 de março de 2017)

Leia também: O que fazer com nossas prisões? (editorial de 11 de janeiro de 2017)

A opção pela prisão domiciliar – tanto no caso de um habeas corpus coletivo quanto no caso de uma decisão que beneficie uma mulher em específico – não vem sem riscos, como apontou a Procuradoria-Geral da República em seu parecer ao Supremo. Longe do cárcere, as gestantes ou mães podem se tornar reincidentes, mulheres ligadas ao crime poderiam engravidar apenas para poder se beneficiar da prisão domiciliar se fossem pegas, e as crianças poderiam ser utilizadas pelas mães para cometer crimes, segundo a subprocuradora Cláudia Sampaio Marques. São situações a se evitar, evidentemente – alguns desses comportamentos, inclusive, justificariam que a mãe perdesse a guarda do filho –, e nem sempre há como fiscalizar todas as mulheres que se beneficiarão do habeas corpus. Mas, quando se coloca de um lado da balança essa possibilidade e, do outro lado, a certeza de se passar os primeiros meses de vida em condições degradantes, parece-nos mais adequada a solução que respeita a dignidade da criança.

Em um país no qual a impunidade é a regra, e onde – justamente por isso – qualquer coisa diferente do regime fechado pareça leniente demais, pode ser difícil compreender os princípios que moveram a Segunda Turma do STF quando a decisão é vista pelo prisma da mulher criminosa. Mas, ao olhar o caso do ponto de vista do recém-nascido ou lactente obrigado a uma vida degradante no cárcere, a decisão se torna mais compreensível. Enquanto nossas prisões não puderem oferecer condições dignas para as gestantes e mães em prisão preventiva, sem expor seus bebês à degradação, o interesse e os direitos da criança justificam o benefício da prisão domiciliar. No princípio, aqui descrito, o Supremo acertou; mas, ao preferir o habeas corpus coletivo em detrimento da análise individual, errou na dose.

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