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Ao lado das tiradas espirituosas, declarações de amor, mensagens edificantes e citações bíblicas, a “cultura do para-choque” brasileira consagrou outra frase: “Sem caminhão o Brasil para”. Em um país que há décadas optou pelo transporte rodoviário em detrimento de suas malhas ferroviária e hidroviária, a afirmação não tem nada de exagerada: os brasileiros vêm sentindo, em maior ou menor grau, os efeitos da greve dos caminhoneiros, com bloqueios espalhados pelo Brasil e massiva participação paranaense – o estado responde por mais da metade dos pontos onde os motoristas cruzaram os braços.

O governo federal, por meio do ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, tenta negociar, mas a falta de uma liderança unificada é um obstáculo formidável para qualquer entendimento. Alguns sindicatos se mostraram satisfeitos com a oferta feita pelo Planalto, enquanto o Comando Nacional do Transporte, uma entidade sem personalidade jurídica cujos membros se articulam pelo WhatsApp, rejeitou a proposta.

O fato de os caminhoneiros também serem vítimas da péssima condução da economia pelo governo federal não os autoriza a pedir privilégios e fazer demandas pouco razoáveis

É preciso lembrar que, entre demandas de caminhoneiros e concessões do governo, há vários itens no mínimo controversos. Os grevistas queriam a redução no preço do diesel, mas o Planalto acenou com o represamento do preço por seis meses – uma promessa que, dada a situação da Petrobras, talvez não seja conveniente para a empresa, representando a volta do uso político da estratégia de preços da estatal. Os caminhoneiros ainda pediram (e Rossetto concordou) um ano de carência para o pagamento de financiamentos para a aquisição de caminhões em contratos firmados por meio de programas da União – um benefício que, em si mesmo, pode não ser ruim, mas que teria de ser considerado à luz da situação global das contas públicas e da política geral de estímulos ao setor produtivo, e não das pressões do momento. Rossetto ainda deu a entender que o governo poderia ajudar a criar uma tabela para preços de frete, atropelando a lei da oferta e procura.

O governo aceita exigências pouco razoáveis porque se preocupa com o desgaste que uma greve prolongada causa na imagem da presidente Dilma Rousseff. Mesmo quem não perde tempo, dinheiro e serenidade trafegando pelas rodovias bloqueadas sofre as consequências, pois os problemas de abastecimento vão se agravando, especialmente em cidades distantes de centros produtores de itens como alimentos e combustíveis. Segundo a Associação Paranaense de Supermercados (Apras), as regiões de Pato Branco, Francisco Beltrão, Maringá, Londrina, Cascavel, Toledo e Irati corriam risco de desabastecimento. O agronegócio paranaense perde R$ 10 milhões por dia, e o cidadão começa a olhar com revolta casos em que milhões de litros de leite são jogados fora pela impossibilidade de escoar a produção.

Em um certo sentido, o governo federal pode, sim, ser considerado responsável pela situação. Afinal, os caminhoneiros se tornaram, como trabalhadores de diversos outros setores, vítimas da estagnação econômica do país, que agora corre o risco de entrar em recessão. Trata-se de uma reação em cadeia. Com a economia parada, produz-se menos (as demissões na indústria refletem essa realidade) e, consequentemente, cai a demanda por transporte porque não há muito o que transportar, afetando principalmente os caminhoneiros e as empresas do setor. O aumento do diesel foi apenas o estopim para a mobilização.

O fato de os caminhoneiros também serem vítimas da péssima condução da economia pelo governo federal, no entanto, não os autoriza a pedir privilégios e fazer demandas pouco razoáveis. E, principalmente, não os autoriza a interromper toda a economia brasileira, prejudicar o direito de ir e vir do cidadão, ou causar uma crise de desabastecimento de graves proporções, com riscos inclusive à saúde da população. Falta aos grevistas – conscientes de que cada novo dia de paralisação coloca Dilma e o Planalto mais e mais nas cordas – o senso de proporcionalidade. É urgente que eles se deem conta disso e passem a negociar sem ameaçar a sociedade com as consequências de seus atos.

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