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 | Antonio Cruz/Agência Brasil
| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Em raríssimas situações na história do Brasil recente a classe política – especialmente os membros do Poder Legislativo – se viu tão acuada quanto agora. A Operação Lava Jato, em um trabalho conjunto e exemplar que envolve Polícia Federal, Ministério Público, Receita Federal e Poder Judiciário, está nos calcanhares de inúmeros políticos e, com a colaboração dos executivos da empreiteira Odebrecht, muitos outros devem ser arrastados para o furacão do maior esquema de corrupção da história nacional. Uma operação que, até por suas dimensões, não está imune a erros, e o ordenamento jurídico brasileiro tem as ferramentas para corrigir eventuais equívocos que porventura venham a ser cometidos.

Como um lutador nas cordas, restou à classe política reagir, na esperança de sair do córner – neste caso, não desferindo golpes a esmo, mas com uma estratégia muito bem definida: partir de uma premissa verdadeira – a de que sempre é possível aperfeiçoar os mecanismos de punição de abusos de autoridade – para conseguir, no fim, a manutenção dos próprios privilégios. É assim que, com as “emendas da meia-noite”, a Câmara desfigurou as Dez Medidas Contra a Corrupção propostas pelo Ministério Público Federal, botando em prática seu esforço para manter a estrutura de permissividade que permitiu esquemas como os do mensalão e do petrolão.

Na retórica do abuso de poder, o Judiciário e o MP, por exemplo, passam a ser tratados como inimigos

Essa estratégia, baseada na narrativa de que a Lava Jato estaria passando dos limites, gerou uma tensão jamais vista entre instituições e cujos riscos têm escapado a muitos brasileiros. Na retórica do abuso de poder, o Poder Judiciário e o Ministério Público, por exemplo, passam a ser tratados como inimigos, que os parlamentares se veem no direito de retaliar por meio do seu poder de legislar. A justificada reação dessas instituições é descrita como movida por uma convicção de que juízes e promotores se sentem acima da lei. O ataque duplo, no front legislativo e no front da propaganda, fomenta acirramentos e queima pontes. O resultado é o conflito aberto, a paralisia institucional e o descrédito perante a população.

Neste momento de crise, urge magnanimidade e sabedoria política para que se promova uma saudável distensão e a retomada do bom senso no debate público. Chegou-se a um ponto em que não se trata mais de saber quem tem mais razão, e sim de identificar quem pode ser o primeiro a acalmar os ânimos. Um gesto conciliador, um convite ao diálogo num patamar mais elevado, uma pequena concessão têm esse poder. E o projeto de abuso de autoridade que tramita no Senado oferece uma oportunidade de apaziguamento. Quando Renan Calheiros (PMDB-AL) o trouxe de volta à pauta após anos de gaveta, ficou evidente a sensação de retaliação e tentativa de salvar a própria pele – afinal, tratava-se de políticos investigados buscando aumentar os limites daqueles que os investigam e julgam. Suspender a tramitação agora para retomá-la em outra ocasião seria uma bem-vinda água na fervura.

É em meio a este cenário de conflito que ocorrerão as manifestações deste domingo, centradas no combate à corrupção. Oxalá sejam massivas, pacíficas e ordeiras, mostrando que o brasileiro, independentemente de classe social ou preferência política, tem uma pauta prioritária que deveria ser adotada incondicionalmente por todas as instituições, e não apenas pelas que têm até agora se destacado nesse campo. Pois tão perigosa quanto a impunidade é a guerra aberta entre instituições. Evitar ambas as situações é a chave para o Brasil seguir adiante.

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