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Em abril deste ano, a presidente Dilma Rousseff recrutou seu vice-presidente, Michel Temer, para a articulação política com o Congresso Nacional. Era uma última tentativa de conseguir manter a fidelidade de sua base aliada, pois o sucesso das iniciativas do governo no Legislativo depende fundamentalmente da adesão do PMDB de Temer. O partido já vinha dando sinais de rebeldia havia muito tempo, e nenhuma das opções anteriores de Dilma havia funcionado – incluindo o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante; o ex-ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas; e o trio formado por Elizeu Padilha, Gilberto Kassab e Aldo Rebelo.

Mas agora até o próprio Temer viu sua posição balançar depois de uma entrevista de outro cacique peemedebista: o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, artífice de algumas das principais derrotas do governo no Congresso. “Michel Temer entrou para tentar melhorar essa articulação política. Está claramente sendo sabotado por parte do PT. Acho até que se continuar desse jeito, Michel devia deixar a articulação política”, afirmou Cunha na quinta-feira, dia 2. Imediatamente outras lideranças do governo correram para prestigiar o vice-presidente, que também foi recebido por Dilma assim que ela regressou de sua viagem aos Estados Unidos.

O cargo de articulador político está se reduzindo ao de um intermediador entre chantagistas e chantageados

A queixa de Cunha e dos peemedebistas em geral tem motivos nada altruístas (e também nada surpreendentes). Para conseguir o apoio do PMDB em votações importantes, como as do ajuste fiscal, Temer deu sua palavra e garantiu aos congressistas que o governo logo liberaria verbas de emendas parlamentares e promoveria uma distribuição de cargos de segundo e terceiro escalões, preenchidos por indicações políticas. Mas até o momento as promessas não foram cumpridas – essa seria a “sabotagem” descrita por Cunha –, o que teria levado o PMDB a impor duas derrotas duras a Dilma: a aprovação do reajuste do salário dos servidores do Judiciário (aumento de 60% em média), e a controversa aprovação da PEC que reduz a maioridade penal para determinados crimes.

Como o Planalto ainda depende do Congresso para aprovar o fim de algumas desonerações, e quer ver aprovada uma medida provisória que muda as regras de aposentadoria, o ministro Mercadante acenou com concessões às demandas fisiologistas do PMDB. “O que nós queremos é resolver esse capítulo em julho. Vamos acelerar esse processo e botar pressão nos ministérios para que as demandas saiam”, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo, dando uma ideia da situação em que o governo Dilma se encontra.

Da maneira como as coisas vão, o cargo de articulador político está se reduzindo ao de um intermediador entre chantagistas e chantageados. De um lado, um partido sem nenhuma postura ideológica que o alinharia a este ou aquele governante por terem planos convergentes para o país, mas que é forte o suficiente para ser visto como quase indispensável na montagem de uma base parlamentar e tem um apetite insaciável por cargos e verbas. De outro, um Executivo cuja chefe é conhecida pelo seu estilo pouco conciliador, está com a popularidade no chão e, ainda por cima, pertence a um partido que, em pouco mais de uma década de poder, se acostumou a comprar apoio no Legislativo das mais diversas formas, com mensalões, petrolões e assemelhados, o que manda um recado claro a quem quiser se juntar à festa.

Quem pensa que “articulação política” é o trabalho de manter o Legislativo subserviente ao Executivo não demonstra um espírito realmente democrático, pois a independência entre poderes é fundamental. O governo precisa, sim, de pessoas que defendam seus interesses no Congresso Nacional, mas sempre respeitando essa saudável independência. O que não é saudável é que sejam sempre cargos e verbas os grandes motivadores da rebeldia dos congressistas, em vez das posições individuais ou partidárias sobre o que é melhor para o país.

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