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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O deputado Nelson Justus agora é réu. Após quase dois anos de bizarros truques processuais para atrasar os trâmites, enfim o Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidiu, na segunda-feira, aceitar a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual acusando o parlamentar, ex-presidente da Assembleia Legislativa, de peculato, falsidade ideológica, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Com o acatamento da denúncia, interrompem-se os prazos de prescrição dos crimes – que era tudo quanto Justus esperava obter com a lentidão dos passos do processo.

É importante destacar, no entanto, que a aceitação da denúncia não é um pré-julgamento, muito menos uma pré-condenação. A etapa concluída pelo TJ significa, tão somente, que os magistrados do Órgão Especial – pela expressiva diferença de 15 votos a dois – entenderam que há na denúncia do MP elementos probatórios e indícios suficientes que configuram eventual conduta criminosa do agora réu, e que justificam a abertura de ação penal.

O segredo de Justiça não se justificava no caso de Nelson Justus

Desde 2010, quando esta Gazeta do Povo e a RPCTV publicaram a série de reportagens “Diários Secretos”, sabia-se que Justus tinha transformado seu gabinete na presidência da Assembleia em um reduto de funcionários fantasmas. Montou um sistema que permitiu a nomeação de nada menos de 345 servidores comissionados; em determinado momento, eram 180 os que “trabalhavam” simultaneamente, gerando uma despesa mensal calculada, em valores da época, em R$ 1 milhão de reais.

Se já era espantosa a exorbitância desses números, mais graves foram as descobertas de que o esquema consistia em abrir contas bancárias em nome dos fantasmas – em boa parte familiares de assessores próximos de Justus. A cada pagamento dos salários correspondentes, segundo as investigações do MP, algumas pessoas, munidas dos cartões, faziam saques no posto bancário instalado na própria Assembleia. Essa artimanha teve vida útil durante todo o mandato do deputado como presidente da Alep, entre os anos de 2007 e 2010, totalizando desvios estimados em mais de R$ 100 milhões de reais.

A aceitação da denúncia é uma formalidade processual, praticamente inevitável quando se apresentam os elementos suficientes para uma ação penal. Normalmente não mereceria muita atenção, mas neste caso há dois elementos que tornam a decisão significativa.

O primeiro aspecto a ressaltar é que o caso de Justus parecia se encaminhar para a impunidade antes mesmo que houvesse julgamento, graças justamente a todas as manobras e demoras desde que o MP apresentou sua denúncia ao TJ. O desembargador relator do processo, Guilherme Freire de Barros Teixeira, considerou desde logo que os fatos narrados na denúncia do MP justificavam a abertura da ação penal. Mas, assim que seu relatório foi submetido ao Órgão Especial, dois de seus membros pediram vistas e, por meses, retardaram a decisão finalmente tomada. A lentidão era a norma, rompida apenas agora.

Além disso, levantou-se o sigilo que havia sobre o processo. O segredo de Justiça existe para preservar a intimidade das partes em um processo – é comum, por exemplo, em casos de direito de família –, mas não se justificava no caso de Nelson Justus. Agora, a população terá acesso aos detalhes do processo, mais uma vez dando razão a Louis Brandeis, o juiz da Suprema Corte americana para quem “a luz do sol é o melhor desinfetante”.

Apesar disso tudo, este não é ainda o momento de a população acreditar que a impunidade foi vencida. Passa-se agora para outra etapa, durante a qual Justus e as testemunhas serão ouvidos, provas serão aceitas e homologadas. Ao réu serão oferecidas todas as oportunidades de ampla defesa. E também esta fase, que antecede o julgamento de mérito, está sujeita a infindáveis recursos processuais, seja para retardar indefinidamente a sentença, seja até para levá-lo à absolvição. Por isso, é importante a atenção constante da sociedade.

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