| Foto: Federico Parra/AFP

Oficialmente, trata-se de “refinanciamento e reestruturação” de dívidas. Mas, se tem aparência de calote, cheiro de calote, gosto de calote, o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, pode dar o nome que desejar: o que a Venezuela acabou de fazer é dar um calote em seus credores ao deixar de pagar cerca de US$ 200 milhões em juros de sua dívida. Agências de classificação de risco rebaixaram a nota venezuelana – para a Standard and Poor’s, a dívida venezuelana de curto prazo agora tem nota D, de default (ou seja, calote), enquanto a de longo prazo é classificada como SD, ou “default seletivo”, um estágio acima da inadimplência completa, já que o calote atual representa uma parcela pequena do total da dívida venezuelana.

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Trata-se de mais uma tragédia anunciada. Os venezuelanos vinham negociando novos termos de suas dívidas bilionárias com a Rússia e a China; e, em setembro, a Venezuela já tinha deixado de pagar a credores brasileiros quase R$ 860 milhões, levando o governo a fazer uma reclamação formal no Clube de Paris. Mas tornar-se caloteiro é apenas mais uma mancha no currículo de Maduro – até pequena, em comparação com o sofrimento que ele impõe ao povo venezuelano dia após dia.

O “socialismo do século 21” levou a Venezuela de volta para o século 19

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Muitos credores internacionais ainda conseguirão seguir adiante enquanto brigam para receber o que lhes é de direito. Mas o que dizer do cidadão que não consegue encontrar produtos básicos nos supermercados de suas cidades? Que sofre com a hiperinflação e com a violência urbana desenfreada? Que, para fugir da miséria, corre para as fronteiras com Brasil e Colômbia, em busca de uma vida melhor que o inferno venezuelano?

E tudo isso no país que está assentado sobre as maiores reservas petrolíferas do planeta. O argumento de que a queda abrupta nos preços da commodity é a culpada pela crise não se sustenta. Por muitos anos o governo chavista surfou na onda do petróleo caro, mas usou o dinheiro para populismo barato, sem um programa de poupança e investimentos. Ao mesmo tempo, Chávez e Maduro sufocaram a iniciativa privada por meio de expropriações e outros ataques aos empresários. O “socialismo do século 21” levou a Venezuela de volta para o século 19, com o apoio de camaradas ideológicos no resto do continente latino-americano, dentre os quais o PT, que ainda hoje divulga, com alguma frequência, notas em apoio à ditadura bolivariana.

É claro que Maduro já tinha o discurso ensaiado quando parou de honrar seus compromissos internacionais: a culpa é dos Estados Unidos, e foi exatamente isso que o vice-presidente Tareck El Aissami disse a uns poucos credores que se encontraram com ele na última segunda-feira. De fato, as sanções impostas pelo governo de Donald Trump, em agosto deste ano, complicaram bastante a possibilidade de a Venezuela conseguir rolar sua dívida por meio da venda de novos títulos – as sanções também atingiram a petrolífera estatal PDVSA, cujo calote também foi decretado pelas agências de classificação de risco. Curiosamente, logo após a notícia das sanções, Maduro criticou as medidas, mas também afirmava, triunfante, que “a Venezuela será mais livre e independente” em uma “etapa pós-hegemonia norte-americana”. Foram necessários apenas alguns meses para a realidade bater à porta.

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Até agosto, Washington vinha direcionando o fogo contra os indivíduos ligados à ditadura bolivariana, o que claramente se mostrou insuficiente, pois a repressão política não cessou, com a continuação das prisões arbitrárias (um dos presos políticos, Antonio Ledezma, conseguiu fugir do país na sexta-feira) e os assassinatos de manifestantes por coletivos armados; tampouco Maduro desistiu do seu plano de convocar, violando a legislação do país, uma Assembleia Constituinte que contornasse os poderes do Legislativo dominado pela oposição. O próximo passo de Trump seria tentar cortar as fontes de financiamento do regime.

O regime de Hugo Chávez e Nicolás Maduro destruiu a economia e a democracia na Venezuela. Enquanto o país e seus cidadãos definham, o ditador se preocupa apenas em consolidar seu poder por meio da ilegítima Assembleia Constituinte. A comunidade latino-americana, no entanto, vem assistindo a tudo sem ir além de esboçar preocupação. Foi necessário que os Estados Unidos agissem para colocar alguma pressão adicional sobre Maduro. A Venezuela só terá algum futuro quando se livrar do bolivarianismo e tiver um governo democrático, escolhido pelo povo em eleições limpas. Que esse dia possa chegar o quanto antes.