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 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

O Brasil precisa discutir modificações modernizadoras na legislação sobre as peças financeiras do setor público. Orçamento, finanças e contabilidade no âmbito do sistema estatal devem respeitar a lógica intrínseca do setor público, e não devem servir – como acontece hoje – para escamotear ou obscurecer realidades econômicas ou financeiras. A maior parte da confusão que tem havido na compreensão da verdadeira situação financeira dos entes estatais é causada pela forma como as peças contábeis são apresentadas. E essas confusões ocorrem mesmo entre gestores públicos, autoridades governamentais e políticos em cargos de decisão.

O problema começa com a palavra “orçamento”, que muitos pensam tratar-se de uma peça demonstrativa de “receitas e despesas” do governo, pois essas palavras aparecem no título do orçamento. Em sentido lato até é assim, mas há uma ressalva que altera completamente seu sentido. Orçamento é peça de previsão de entradas e saídas de dinheiro para um exercício, sendo que as “entradas” referem-se aos recursos que ingressam no caixa do tesouro público vindas de receitas tributárias, receitas por venda de ativos, empréstimos tomados de instituições financeiras etc. Portanto, se a prefeitura ou o governo do estado faz uma dívida, o orçamento contabiliza o dinheiro emprestado como “entrada”, embora ela não seja “receita” no sentido de recursos arrecadados regularmente pelo ente estatal.

Não é boa técnica usar dinheiro de empréstimo para cobrir gastos constantes

É a receita tributária regular e contínua do ente público que deve ser considerada para saber quanto de dinheiro o tesouro público tem para sustentar sua estrutura, seus projetos e suas atividades, mesmo porque não é boa técnica usar dinheiro de empréstimo para cobrir gastos constantes, pela simples razão de que os gastos são rotineiros e repetitivos, e o empréstimo tomado é momentâneo e deve ser pago no futuro com os respectivos juros. A rigor, a boa prática contábil recomenda que o ente estatal demonstre seus gastos regulares – aqueles que se repetem continuamente – e suas receitas regulares com os quais pagará os gastos constantes, chamados na linguagem oficial de “gastos correntes”.

Um empréstimo bancário tomado pelo governo faz sentido para pagar algum investimento em obra pública ou para quitar uma dívida anterior. Uma obra é um gasto com início e fim, não repetitivo, e fica para uso das gerações seguintes, que se encarregarão de pagar a dívida feita para construí-la. Juntar tudo – receitas tributárias correntes mais empréstimos – no mesmo balaio, chamar isso de “orçamento”, compará-lo com os anos anteriores e tomar decisões de investimento, gastos e programas de governo em função desse conceito geral é um equívoco que leva a interpretações erradas – logo, a decisões erradas.

As campanhas eleitorais, os debates e as entrevistas revelam que é grande o desconhecimento de aspectos técnicos de finanças e de contabilidade púbica. É por isso e por outras razões que a legislação reguladora dos procedimentos e das demonstrações financeiras e contábeis do setor público merece ser reavaliada e atualizada para impor obrigações e formatos capazes de melhorar a compreensão da realidade dos fatos e do julgamento da população sobre a gestão pública. Alertas já foram feitos por técnicos e conselheiros dos tribunais de contas sobre a necessidade de prefeitos, vereadores, governadores, deputados e outros dirigentes governamentais estudarem e entenderem a lógica econômica e legislação sobre os procedimentos, as finanças e a contabilidade do setor público.

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