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Não faz muito tempo – em 2012 – um dado do Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) deixou o país meio sem graça. A pesquisa – uma das mais interessantes feitas no país, pois pergunta para as pessoas como elas resolvem as coisas simples da vida – indicou que 38% dos estudantes do ensino superior não dominavam habilidades básicas de leitura e de escrita.

Não faltou quem tentasse organizar uma cruzada – para punir aqueles que permitiram a tantos moçoilos chegar à faculdade com alto grau de distração, sem conseguir interpretar uma simples reportagem. Desde a virada do século, a população universitária passou de 2,5 milhões para 7,5 milhões, uma massa agora alocada em pencas de cursos a distância, pequenas faculdades particulares e em vagas financiadas pelo governo nas grandes redes. Essa conta de multiplicar teria um preço anunciado: a perda de qualidade.

Há países que investem bem menos do que o Brasil em educação e que têm rendimentos muito melhores

Em entrevista recente, o ministro da Educação, Aloízio Mercadante, soltou a afirmação tresloucada de que “se o país formasse médicos da mesma maneira que forma professores, os pacientes morreriam”. Os professores também dão aulas no curso de Medicina, até onde se sabe, o que deixa transparecer que Mercadante está brincando de dar murro na mesa. O problema é bem mais delicado.

Ler, interpretar, calcular, pesquisar seriam habilidades que um professor poderia estimular, inclusive com técnicas tradicionais, a exemplo do ditado, da leitura em voz alta e de uma deliciosa sessão de tabuada. Mas em tese, poucos têm pachorra para tamanha estiva, concorrendo para aumentar o vexame nacional no teste Pisa, e assim por diante. O estrago se mantém até a noite luminosa em que o aluno se vê na frente do reitor, para colar grau.

A falta de objetividade do ensino não é um exagero. Há países que investem bem menos do que o Brasil em educação e que têm rendimentos muito melhores. Algo nos escapa, de modo que produzimos abismos em série. Os 38% de alfabetos funcionais que chegaram ao terceiro grau não são culpa apenas das faculdades que abrem em cada esquina, mas da passividade imoral com a qual assistimos um sistema de ensino médio que não ata nem desata, atropelado, que ironia, pelos 5 milhões de novos alunos das últimas lavras.

A escola não acompanha tanta gente. Todos são bem-vindos na teoria, mas não na prática, já que se faz muito pouco para manter esses alunos no sistema de ensino. De cada 100 alunos do médio, 25 abandonam. O mesmo se diga da sonolência diante dos módicos 9,4% que concluem a EJA – Educação de Jovens e Adultos, programa que poderia ser a remissão dos nossos pecados, mas pelo qual teremos de prestar contas.

É preciso organizar a lambança. Não vai dar para esperar o ensino fundamental ter excelência para oxigenar o ensino médio, elevando à glória o ensino superior. Seria uma tática tão conveniente quanto preguiçosa.

Essa discussão belisca o nervo trigêmeo, mas não veremos país nenhum sem enfrentar essa questão, até porque não se tem notícia de nação desenvolvida que ostente tantas notas vermelhas no boletim. Trocando em miúdos – o ensino superior tende a ensinar sempre do mesmo jeito. Repete cacoetes. Tem medo da palavra “mercado”. Não raro negligencia o conhecimento que o aluno traz de casa. Levando-se em conta que os jovens sabem mais tecnologia do que o professor, essa falta de troca de competências faz da sala de aula o império do tédio.

Mas alto lá. Não cabe à universidade brasileira abdicar das teorias, transformando aulas em treinamentos, como pode sugerir o brado de “profissionalização escolar” dado pelo governo. Causa urticárias propalar o ensino como mais um utilitário, um eletrodoméstico com desconto no imposto. Geração de renda e crescimento profissional são energizantes, mas é preciso ir devagar com o andor do pragmatismo econômico. Mal não faria se a turma da educação procurasse meios de conciliar a exposição de ideias com uma necessidade premente dos estudantes – a de fazer uma experiência. O jovem do século 21 não quer salvar o mundo, quer tocá-lo. É um bom início de conversa.

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