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Na quarta-feira a Câmara Federal aprovou mais uma Medida Provisória do pacote de ajuste fiscal do governo federal. Originalmente, a MP 668 tratava apenas do aumento das alíquotas de impostos sobre itens importados, mas acabou ganhando um estranho penduricalho: uma emenda autorizando a Câmara a estabelecer parcerias público-privadas (PPPs). A estratégia – pejorativamente apelidada de “jabuti” – não é nova, mas havia sido abandonada pelos próprios parlamentares que reconheceram tratar-se de uma forma pouco condizente com a transparência que se espera do Legislativo.

Câmara Federal já construiu três anexos ao prédio original, e agora Eduardo Cunha pretende construir outros três

Em 2012, por exemplo, o deputado Marco Maia, então presidente da Câmara, chegou a orientar expressamente que as comissões da Casa ficassem atentas para evitar o “contrabando” de dispositivos estranhos ao objeto principal das MPs. Mas o atual presidente da Câmara Eduardo Cunha tem percepção diferente e não vê nenhum problema em usar o artifício. No caso do item inserido na MP 668, Cunha era, aliás, o principal interessado na sua aprovação. É que as PPPs podem ser a única forma de ele conseguir concretizar uma das promessas feitas durante a sua campanha para presidir a Casa.

Cunha prometera que, se fosse escolhido como presidente da Câmara, ampliaria seu espaço físico. Na época em que Brasília foi inaugurada, eram apenas 326 deputados federais. Hoje são 513 deputados e mais 18 mil funcionários. Para abrigar tanta gente, a Câmara construiu outros três anexos ao prédio original, e agora Eduardo Cunha pretende construir outros três.

Os detalhes do projeto foram divulgados na semana passada e mostram que em um dos blocos seria construído um auditório com 700 lugares e instalações de apoio aos parlamentares. Em outro prédio ficariam os gabinetes e um terceiro bloco seria ocupado por lojas, bancos e escritórios – o “shopping” da Câmara. Uma praça de alimentação e estacionamentos subterrâneos para 4.500 veículos completariam a obra.

O problema é como conseguir dinheiro para a construção, orçada em R$ 1 bilhão. As parcerias público-privadas seriam uma forma de viabilizar o projeto, mas a atual Lei 11.079/2004, que normatiza as PPPs, não prevê a participação da Câmara e do Senado. Ou seja, para poder tirar do papel o novo complexo da Câmara através das PPPs, Eduardo Cunha e seus aliados teriam de modificar a legislação.

O trâmite natural para isso seria a apresentação de um projeto de lei, que passaria por comissões e votações no Congresso até, caso fosse aprovado, ser sancionado pela Presidência e entrar em vigor, o que levaria longos meses – talvez anos – para acontecer. Cunha resolveu acelerar o processo, orientando aliados a inserir na MP 668 uma alteração na Lei das PPPs.

A manobra não passou despercebida e causou revolta em alguns parlamentares que queriam maior discussão sobre a proposta. Houve bate-boca, Eduardo Cunha foi chamado de Stalin por não aceitar uma emenda que retiraria o item polêmico da MP, alguns partidos ameaçaram ir ao Supremo Tribunal Federal contra a medida e a votação teve de ser interrompida várias vezes, mas ao final a MP – e o “jabuti” – foram aprovados com 273 votos favoráveis e 183 contrários e a proposta seguiu para o Senado.

Deixando de lado a questão sobre a necessidade ou não de a Câmara ampliar suas instalações físicas e a lentidão exagerada na tramitação de projetos dentro do Congresso, esse novo “jabuti” mostra que os parlamentares não têm nenhum pudor em adotar estratégias questionáveis para concretizar seus objetivos. Esse “jeitinho” – na pior acepção do termo – não é condizente com um Legislativo que deveria primar pela transparência.

Já havíamos comentado sobre o risco do uso excessivo de Medidas Provisórias por parte do governo federal. Em tese, as MPs devem ser usadas com parcimônia pelo Executivo em situações urgentes e de grande relevância, em que seria temeroso ter de esperar pelo trâmite ordinário das propostas. As medidas de ajuste fiscal até se enquadrariam nesse contexto, mas a alteração na Lei das PPPs para viabilizar o projeto de Cunha, certamente não.

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